O LOBISOMEM JACQUES ROULET- Narrativa Clássica de Horror - Sabine Baring-Gold


 

O LOBISOMEM JACQUES ROULET

Sabine Baring-Gold

(1834 – 1924)

Tradução de Paulo Soriano

 

 

Em 1598 — um ano memorável nos anais da licantropia — ocorreu um julgamento em Angers, cujos detalhes são terríveis.

Num local selvagem e pouco frequentado, nas proximidades de Caude, alguns camponeses, certo dia, encontraram o cadáver de um garoto de quinze anos horrivelmente mutilado e salpicado de sangue.

 Quando os homens se aproximaram do rapazote, dois lobos, que lhe dilaceravam o corpo, fugiram para o matagal. Imediatamente, os homens correram a persegui-los, seguindo seus sangrentos rastros, até perdê-los.

De repente, agachando-se entre os arbustos, batendo os dentes de medo, encontraram um homem seminu. Tinha ele cabelos e barba compridos e as mãos tingidas de sangue.  As suas unhas eram longas como garras e estavam cobertas de sangue fresco e fragmentos de carne humana.

Este é um dos casos mais intrigantes e peculiares que chegaram ao nosso conhecimento.

O miserável, cujo nome era Roulet, por sua própria vontade, declarou que havia caído sobre o garoto, estrangulando-o até a morte. Acresceu que havia sido impedido de devorar completamente o cadáver em razão da chegada de homens no local.

Roulet demonstrou que era mendigo sem teto, a viver no mais abjeto estado de pobreza. Seus companheiros de mendicidade eram o seu irmão Jean e o seu primo Julian. Ele havia recebido, por caridade, alojamento numa aldeia vizinha, mas, antes de sua prisão, ele estivera ausente por oito dias.

Diante dos juízes, Roulet reconheceu que lograva transformar-se em lobo por meio de uma pomada que ganhara dos seus pais. Quando interrogado sobre os dois lobos que foram vistos deixando o cadáver, ele disse que sabia perfeitamente quem seriam, pois eram seus companheiros, Jean e Julian, senhores do mesmo dom que o seu.  Mostraram-lhe as roupas que usava no dia da captura e ele as reconheceu imediatamente. Descreveu o menino que havia assassinado, deu a data correta do incidente, indicou o local exato onde o ato havia sido perpetrado e reconheceu o pai do menino como o homem que apareceu pela primeira vez, quando os gritos de sua vítima foram ouvidos. Na prisão, Roulet se comportou como um idiota. Quando aprisionado, sua barriga estava distendida e dura; no cárcere, ele bebeu, certa noite, e um balde inteiro de água.

Seus pais, sob investigação, provaram ser pessoas respeitáveis e piedosas, e provaram que seu irmão Jean e seu primo Julian haviam se casado, à distância, no dia da prisão de Roulet.

— Qual é o seu nome e qual é a sua ocupação? —  perguntou Pierre Hérault, o magistrado.

— Meu nome é Jacques Roulet e tenho trinta e cinco anos. Sou pobre e mendicante.

— Qual é a acusação que lhe pesa?

— A de ser um ladrão e de ter ofendido a Deus. Meus pais me deram uma pomada; desconheço sua composição.

— Quando untado com essa pomada, você se torna um lobo?

 — Não; mas, apesar de tudo, matei e comi a criança Cornier: então, eu era um lobo.

—Você estava vestido como um lobo?

—Eu estava vestido como estou agora. Tinha as mãos e o rosto ensanguentados, porque havia comido a carne da dita criança.

—Suas mãos e pés se tornam patas de um lobo?

—Sim. Isto mesmo.

— Sua cabeça fica como a de um lobo? Sua boca fica maior do que é?

 — Eu não sei como estava minha cabeça na época. Apliquei os meus dentes. Mas a minha cabeça estava como está hoje. Feri e comi muitas outras criancinhas. Eu também estive no Sabbath.

O lieutenant criminel condenou Roulet à morte. Ele, entretanto, apelou ao Parlamento em Paris. A corte superior decidiu que, como havia mais loucura no pobre idiota do que malícia e bruxaria, sua sentença de morte deveria ser comutada para dois anos de prisão em um hospício, para que ele pudesse ser instruído no conhecimento de Deus, a quem ele havia esquecido em sua extrema pobreza.

 

Fonte: The book of Were-Wolves, Smith, Elder & Co., Londres, 1865.

Imagem: Lucas Cranach der Ältere (1472 – 1553).

 


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