O GUARDANAPO DOS POETAS, Conto Clássico Fatástico - Guillaume Apollinaire
O GURDANAPO DOS
POETAS
Guillaume Apollinaire
(1880 – 1918)
Tradução de Paulo Soriano
Situado
no limite da vida, nos confins da arte, Justin Prérogue era pintor. Uma amiga
morava com ele e os poetas vinham visitá-lo. Por sua vez, cada um deles jantava
no estúdio, onde o destino colocou, em vez de estrelas, tachinhas no teto.
Havia
quatro convidados, que nunca se encontraram à mesa.
David
Picard vinha de Sancerre. Era descendente de uma família judia cristianizada,
como há tantas na cidade.
Léonard
Delaisse, tísico, escarrava a sua vida inspirada, fazendo-o com um semblante
que era de morrer de rir.
Georges
Ostréole, com olhos preocupados, meditava, como outrora o fizera Hércules,
entre as entidades das betesgas.
Jaime
Saint-Félix era pródigo em histórias; sua cabeça era capaz de rolar sobre os
ombros, como se o pescoço tivesse sido parafusado ao corpo. E seus versos eram
admiráveis.
As
refeições nunca acabavam e o mesmo guardanapo servia os quatro poetas
sucessivamente, mas nenhuma palavra lhes era dita sobre isto.
*
Tisnava-se,
pouco a pouco, o guardanapo. Eis aqui a mancha de gema de ovo contígua a uma
faixa escura de espinafre. Ali estão, a par dos círculos de bocas impregnadas
de vinho, cinco marcas cinzentas deixadas pelos dedos de uma mão em repouso.
Uma espinha de peixe perfurara a trama de linho como uma lança. Um grão de
arroz secou, preso
em um dos ângulos.
E as cinzas do tabaco escureceram, mais que outras, com maior profundidade,
algumas de suas regiões.
*
—
David, aqui está teu guardanapo — dizia a companheira de Justin Prérogue.
—
Precisamos comprar guardanapos — dizia Justin Prérogue. — Lembra-te disto quando entrar dinheiro.
—
É que o teu guardanapo está sujo, David — dizia a amiga de Justin Prérogue. —
Na próxima vez, eu a trocarei. A lavadeira não veio esta semana.
—
Leonard, olha o teu guardanapo — dizia a companheira de Justin Prérogue. Tu podes escarrar na cesta de carvão. Como a
tua toalha está suja! Vou trocá-la assim que a lavadeira me trouxer as roupas.
—
Leonard, tenho que fazer o teu retrato em pleno escarro — dizia Justin
Prérogue. — E mesmo uma escultura dessa cena.
—
Georges, tenho vergonha de te dar sempre o mesmo guardanapo — dizia a amiga de
Justin Prérogue. — Não sei o que deu na lavadeira, já que não traz a roupa
lavada.
—
Vamos comer! — dizia Justin Prérogue.
—
Jaime Saint-Félix, tenho que te dar, novamente, o mesmo guardanapo. Não tenho
outro hoje — dizia a amiga de Justin Prérogue.
E
o pintor fazia girar a cabeça durante toda a refeição, ouvindo muitas
histórias.
*
E
passaram-se as estações.
Os
poetas se revezavam no guardanapo e admiráveis eram os seus poemas.
Léonard
Delaisse escarrava sua vida ainda mais comicamente, e David Picard começou a
escarrar também.
O
guardanapo envenenado infectou-os um a um; depois de David, contaminou Georges
Ostréole e Jaime Saint-Félix; estes, porém, não souberam disto.
Como
um ignóbil trapo de hospital, o guardanapo manchava-se com o sangue que saía
dos lábios dos quatro poetas, e os jantares não terminavam nunca.
*
No
limiar do outono, Léonard Delaisse escarrou o resto de sua vida.
Em
diferentes hospitais, sacudidos pela tosse como mulheres pelo prazer, os outros
três poetas morreram com poucos dias de intervalo um do outro. E todos os
quatro deixaram poemas tão belos que pareciam encantados.
Atribuíram
suas mortes não à alimentação, senão à fome e às vigílias líricas. Afinal,
seria mesmo que um único guardanapo pudesse matar, em tão pouco tempo, quatro
poetas incomparáveis?
*
Mortos
os convivas, o guardanapo tornou-se inútil.
A
amiga de Justin Prérogue queria jogá-lo na cesta de roupa suja.
E
o desdobrara, pensando: "Está realmente muito sujo. Começa a cheirar
mal."
Mas,
desdobrado o guardanapo, a amiga de Justin Prérogue ficou surpresa;
maravilhada, chamou o amigo e sussurrou-lhe:
—É
um verdadeiro milagre! Esta toalha — tão suja —, tu que a ofertaste com complacência,
apresenta, graças à sujeira coagulada e diversidade de cores, as feições do
nosso falecido amigo David Picard. Não é
mesmo?
Os
dois, em silêncio, olharam por alguns instantes para a imagem milagrosa e
depois, delicadamente, giraram o guardanapo.
Mas
eles, imediatamente, empalideceram quando viram o aspecto aterrorizante e
risonho de Leonard Delaisse tentando escarrar.
E
os quatro lados do guardanapo ofereciam semelhante prodígio: Justin Prérogue e
sua companheira viram Georges Ostréole indeciso e Jaime Saint-Félix a ponto de
narrar uma história.
—Larga
este guardanapo! — disse Justin Prérogue, abruptamente.
O
pano caiu e se espalhou no chão.
Justin
Prérogue e sua amiga giraram, em torno dele, por muito tempo, como as estrelas
em volta de seu sol, e esta Santa Verônica, com o seu olhar quádruplo,
ordenou-lhes a fugir dos limite da artes, em rumo aos confins da vida.
vou ler também, o site tá ótimo como sempre, Barão amigo
ResponderExcluirObriado, amigo!!!!
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