ROSAMUNDA - Narrativa Clássica de Horror - Paulo Diácono


 

ROSAMUNDA

Paulo Diácono

(C. 720 – 799)

 

Os valentes lombardos venceram os gépidas[1] com tal fúria que os reduziram à destruição total: de uma multidão de guerreiros, sobreviveu apenas um mensageiro.  

Nessa batalha, Alboíno, rei dos lombardos[2], matou o rei inimigo Cunimundo[3], e fez de sua cabeça — que trouxe consigo — uma taça de beber. Esse tipo de cálice é chamado entre eles “scala”, e, na língua latina, “patera”. E levou cativa a filha de Cunimundo, chamada Rosamunda, junto com uma grande multidão de ambos os sexos e de todas as idades. E porque Clodosvinda, sua esposa, havia morrido, o rei lombardo casou-se com Rosamunda, para seu próprio infortúnio, como depois se fez evidente.  

*

Depois que Alboíno governou a Itália por três anos e seis meses, foi morto pela traição de sua esposa, Rosamunda, e a causa de seu assassinato foi a que passo a narrar.

Estando o rei sentado em um banquete, que se estendia mais longamente do que o apropriado, com a taça que fizera da cabeça de seu sogro (o rei Cunimundo), ordenou que fosse dado vinho à rainha. Então, convidou-a a beber alegremente com seu pai. Para que isso não pareça impossível a ninguém, falo a verdade em Cristo. Eu vi o rei Raquis[4] segurando esta taça em sua mão, num certo dia festivo, para mostrá-la aos seus convidados.

Então Rosamunda, ao ouvir tal afronta, concebeu em seu coração uma angústia profunda, que não pôde conter, e, imediatamente, ardeu por vingar a morte de seu pai, assassinado por seu marido.

Concebeu, então, um plano com Helmiques, que era o escudeiro do rei, e irmão adotivo deste, para assassiná-lo.

 Helmiques persuadiu a rainha a cooptar Peredeu, que era um homem muito forte. Como Peredeu não consentiu em aderir à conspiração urdida pela rainha, quando ela o incitou a perpetrar tão grande crime, a soberana se deitou, à noite, na cama de sua camareira, com quem Peredeu costumava manter relações sexuais.

Peredeu, ignorando a artimanha, deitou-se com a rainha. E quando o ato perverso já estava consumado, e ela lhe perguntou quem ele pensava quem ela era, Paredeu pronunciou o nome de sua amante — pois assim o supunha.

— Não sou quem estás pensando — disse-lhe a rainha. — Sou Rosamunda. E, como é induvidoso que cometeste o ato pecaminoso, Peredeu, dou-lhe um ultimato: que ou matas Alboíno ou ele te matará a golpes de espada.  

Assim, descobrindo o pecado que involuntariamente cometera, viu-se forçado a assassinar o rei.

Enquanto Alboíno se entregava ao sono do meio-dia, Rosamunda ordenou que fizessem um grande silêncio no palácio; e, tirando todas as outras armas, amarrou a espada do rei firmemente à cabeceira da cama, para que este não a pudesse mover e desembainhar.  Seguindo as instruções de Helmiques, a rainha, mais cruel do que qualquer animal, deixou entrar Paredeu, o assassino.

Alboíno subitamente despertou, percebeu o mal que o ameaçava e estendeu rapidamente a mão para a espada. Estando esta, todavia, bem amarrada, não a pôde sacar. Então, socorreu-se de escabelo e com ele se defendeu durante algum tempo. Mas, infelizmente, aquele guerreiro corajoso e muito valente, impotente contra seu inimigo, foi morto como um homem sem qualquer importância: aquele cuja fama era inexcedível na guerra, por aniquilar tantos inimigos, pereceu pelo ardil de uma pequenina mulher.

 



 

Seu corpo, em meio à dor e os lamentos dos lombardos, foi sepultado sob os degraus dum lance de escada, ao lado do palácio.

*

Helmiques, então, após a morte de Alboíno, tentou usurpar seu reino. Não o conseguiu, contudo, porque os Lombardos, sofrendo muito com a morte do rei, cuidaram de afastá-lo.

E, imediatamente, Rosamunda mandou dizer a Longino, prefeito de Ravena, que este deveria enviar rapidamente um navio para buscá-los. Longino, encantado com tal mensagem, rapidamente enviou um navio, no qual Helmiques — com Rosamunda, sua amante — embarcou, fugindo à noite.

Levaram consigo Albsuinda, filha do rei, e todos os tesouros dos Lombardos, e vieram rapidamente para Ravena.

Então, o prefeito Longino instou Rosamunda a matar Helmiques para tomá-la por esposa. Como ela estava disposta a todo tipo de maldade, e como desejava tornar-se senhora do povo de Ravena, consentiu em perpetrar esse crime. Enquanto Helmiques saía de seu banho, Rosamunda ofereceu-lhe uma taça envenenada, dizendo-lhe tratar-se de algo saudável.  Todavia, quando sentiu que havia bebido do cálice da morte, obrigou Rosamunda, com a espada em riste contra ela, a beber o que restava. Assim, esses mui perversos assassinos pereceram juntos pelo julgamento de Deus Todo-Poderoso.

 

Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução inglesa de William Dudley Foulke (1948 – 1935).



[1] Tribo germânica.

[2] Entre c. 560-572.

[3]  Último rei dos gépidas.

[4] Rei dos Lombardos entre 744 e 749.


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