A ASSEMBLEIA DOS FRADES DEFUNTOS - Narrativa Clássica Sobrenatural - Pierre le Vénérable

 

A ASSEMBLEIA DOS FRADES DEFUNTOS

Pierre le Vénérable

(1092? – 1156)

 

Embora seja comum que se narrem histórias mais elaboradas sobre aparições de mortos, deixai-me contar algo que aconteceu recentemente, no mesmo ano em que escrevo.

Na noite da vigília do nascimento de Nosso Senhor, quando se canta Sanctificamini Hodie, um jovem noviço permanecia, no dormitório dos frades em Carumlocum, acordado, inquieto e incapaz de conciliar o sono

Ao amanhecer, de repente, ele viu que um frade idoso subia os degraus do dormitório e seguia em sua direção. Reconheceu-o como Achardus, um antigo prior do mosteiro, que havia morrido há alguns anos, e que, na verdade, era seu próprio tio: o noviço era filho do irmão do prior Achardus.

O velho homem rumou diretamente a ele, sentando-se num banco que havia ao lado da cama do rapaz. Com a aparição estava outro ex-prior, o muito amado Guillelmus, também falecido. Embora o noviço jamais houvesse visto aqueles homens, ele prontamente os reconheceu, mercê das descrições que lhe foram feitas por aqueles que em vida os conheceram.

Eles ficaram a conversar amavelmente e o rapaz ouviu o que diziam, até que o digno Guillelmus desapareceu de repente, deixando apenas o irmão Achardus sentado ao lado da cama. Voltando-se para o rapaz, perguntou-lhe se desejava ver algo maravilhoso. Em caso afirmativo, deveria levantar-se e segui-lo ao cemitério dos frades. Com medo, o noviço sussurrou-lhe que deveria permanecer dentro dos limites do dormitório. Disse, ademais, que, se alguém o visse saindo dali, provavelmente seria severamente espancado. O tio lhe disse que nada haveria a temer e que confiasse nele, pois podia antever que nada aconteceria ao rapaz e que este sairia e retornaria do dormitório são e salvo.

Tranquilizado, o jovem levantou-se, vestiu seu hábito e seguiu o tio. Percorreram o claustro principal da abadia, passaram pela enfermaria e atravessaram os portões abertos do cemitério. O rapaz notou que muitos assentos haviam sido colocados, próximo uns dos outros, ao longo dos muros do cemitério, e que nesses assentos estavam as formas fantasmagóricas de homens vestidos com o hábito monástico. Conforme narrou, seu tio lhe dissera que um assento havia sido preparado para o sobrinho, e que este deveria sentar-se imediatamente ao chegar. O tio também indicou que, provavelmente, seriam admoestados, por conta daquela chegada tardia, e que o próprio Achardus seria, provavelmente, convocado pelos dignitários que presidiam a reunião. Com efeito, assim que o irmão Achardus e o rapaz chegaram à assembleia e se sentaram, elevou-se um clamor; um dos monges que estavam sentados próximos a eles reclamou-lhes da chegada tardia. Imediatamente, Achardus se levantou e acorreu ao centro da assembleia; lá, penitenciou-se, conforme o costume monástico. O rapaz, humildemente, permaneceu quieto em seu lugar, conforme fora instruído.

Como de costume, existe uma plataforma de pedra, elevada no meio do cemitério, encimada por uma plataforma suficientemente ampla para abrigar uma boa quantidade de tochas e lanternas, que cuidam de iluminar aquele sacro ambiente, como evidência da fé que ali perdura. Há, também, um lance de escadas que leva a um estrado, amplo o suficiente para acomodar dois ou três homens, sentados ou em pé. O jovem viu o seu tio Achardus prostrar-se diante do estrado, como se pedisse perdão. O rapaz não pôde ouvir as palavras que foram trocadas, mas pôde ver tudo o que acontecia, graças à luz poderosa e sobrenatural que brilhava por todo o cemitério, sem que, para tanto, concorresse a ajuda de qualquer agente humano. Depois de algum tempo, Achardus voltou ao seu lugar e o jovem abriu caminho em sua direção, colocando-se, de pé, junto ao tio. Pouco depois, toda a assembleia se levantou para sair, mas não pela entrada pela qual ele e o tio haviam chegado, senão por outro portão, situado no outro lado do cemitério. Na soleira desse portão, havia uma grande fogueira acesa. Ao se despedirem, os membros da assembleia passaram por ela, alguns rapidamente, outros transpondo o fogo lentamente. O jovem manteve-se em observação até que todos os monges tivessem ido embora. Finalmente, restaram apenas, no cemitério, ele mesmo e o tio defunto. Então, como prometido, o tio o conduziu, em segurança, de volta, seguindo o mesmo caminho que haviam feito. Mas o tio desapareceu subitamente quando chegou, já no dormitório dos frades, à cama do sobrinho.

Fiquei sabendo dessa aparição por outras pessoas e, depois, pelo próprio rapaz. Considero que o jovem monge é totalmente confiável e incapaz de dar-se a mentiras.  Assim, contei a sua notável história para que esta possa ser útil a todos os meus leitores.

 

Versão em português de Paulo Soriano.

 

 


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