BARULHO INUSITADO - Narrativa Verídica - Flávio Fernandes
BARULHO
INUSITADO
(Fato Verídico)
Flávio Fernandes
Meu nome é
Flávio e estes fatos ocorreram no ano de 1993, quando eu tinha 25 anos e era um
jovem pai de família.
Eu morava com
minha esposa no bairro do Rio Pequeno, na zona Oeste da Cidade de São Paulo.
Naquela época,
morávamos em um sobrado alugado do meu então chefe, o Sr. Luciano. O sobrado
ficava na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, em frente ao quartel de polícia
do Butantã.
A avenida, na
época, já era supermovimentada, passando carros o dia inteiro e durante a
noite. A avenida Corifeu de Azevedo Marques vai do Parque Continental, em
Osasco, até a Avenida Vital Brasil, no Butantã. É bem grande e passa à frente
de uma grande parte da Universidade de São Paulo – USP.
O sobrado em que
eu morava tinha sido reformado completamente, recentemente, e eu e minha esposa
o tínhamos decorado impecavelmente.
Era bem bonito
de fora e ficava em uma esquina onde tem uma rua sem saída ao lado. Hoje é uma
loja de peças de carros.
O Sr. Luciano havia-me
alugado após uma reforma completa e nem sequer eu tinha contrato de aluguel escrito,
dada a relação de confiança entre as partes e ao fato de ele ser meu chefe no
departamento de contabilidade em uma metalúrgica na Rua Fábia, na Lapa.
Eu havia, até,
ajudado na pintura, durante as reformas, e a casa era bem bonita, com dois
pavimentos, dois banheiros e três quartos.
Eu havia pedido
para ele me alugar o imóvel quando soube que os seus inquilinos iriam sair,
depois de estropiar tudo que puderam. Sr. Luciano não gostava mesmo deles e
dizia que eram arruaceiros e sujos, e não cuidavam de nada. Por isto a
necessidade da reforma geral e ele não economizou para realizá-la.
Quando conversei
com ele, no escritório, sobre a possibilidade de ele me alugar o imóvel, ele me
disse o seguinte: “Flávio, se você quiser, depois da reforma pode ir morar lá.
Fechamos um valor e estará tudo certo. Prefiro que seja você a estranhos. Porém,
preciso ser-lhe honesto. Essa casa não é um ‘bom local’ para viver. Eu morei lá
quando eu a comprei, meu filho era pequeno, mas ele teve uma doença grave ali.
Além disto nem eu e nem minha família fomos felizes lá. Quando surgiu uma
oportunidade de eu comprar um apartamento na Vila Romana não pensei duas vezes
e mudei-me de lá. E não volto. Não vou vender, mas não volto. Eu quero alugar
mesmo. E não quero que meu filho, hoje casado, more lá com a família dele. É
bom que você saiba disto.”
Eu perguntei o
que seria um “não bom local”. E ele continuou: “Eu comprei aquela casa ainda nova,
mas sempre senti que ela era carregada de coisas ruins, por motivo que não sei
explicar exatamente. Mas é ruim. E ainda para piorar, eu tive estes últimos
inquilinos, que, até onde me consta, fizeram promiscuidades lá. Por isto, vou
reformar tudo, pintar tudo; não quero nem lembrar que este pessoal morou no que
é meu”.
E completou: “É
um lugar em que será difícil alguém ser feliz. É a minha opinião. Mas se você
não acreditou nisto, a casa é sua. Somente vamos acertar o valor do aluguel. E
nem contrato escrito precisamos fazer.”
Sr. Luciano
sempre foi um homem diferenciado. Ótima pessoa e profissional, que me ajudou
muito na minha carreira. Somente cheguei aonde estou, sendo diretor financeiro,
porque comecei com ele naquela época, quando eu era ainda jovem.
Pensei, pensei —
conversei com minha esposa e resolvemos ignorar o fato e fomos morar lá, após
decorarmos tudo impecavelmente. Colocamos mobília nova, tapetes, cortinas tudo
novo e bem bonito. Ficou ótimo.
No total, morei
nessa casa quatro anos. De 1991 até 1994, quando a devolvi para o Sr. Luciano.
Não vou entrar
em detalhes, mas uma vida organizada e boa, que eu tinha antes, quando morava com
meus pais foi por “água abaixo” naqueles quatro anos.
Entrei tendo
tudo e sai não tendo nada.
E somente depois
que eu saí de lá é que recuperei tudo novamente e, hoje, posso dizer que sou
muito feliz.
Morando lá,
tivemos bons momentos, boas festas. Convidamos amigos e parentes, mas, no dia a
dia, as coisas eram pesadas.
Por exemplo,
havia noites em que eu nem tinha coragem de descer as escadas para tomar um
copo de água na cozinha. Sentia medo e tensão ao andar pela casa.
Hoje moro em um
apartamento próprio. Comparando, é completamente diferente.
Todos andamos no
escuro e não tem problema nenhum.
A vida da
família lá não era boa, para resumir as coisas. E, na verdade, hoje, olhando
para aquela época, reconheço que o Sr. Luciano tinha total razão em dizer que o
local “não era bom”. Não era mesmo.
O acontecimento
que vou relatar aconteceu em uma noite, em um dia de semana. Era por volta das
duas horas da manhã, mais ou menos. Estávamos dormindo os três no meu quarto: eu,
minha esposa e meu filho, então pequeno.
O nosso quarto
ficava no pavimento de cima. Na janela, olhando para baixo, se via um pequeno
corredor, onde havia uma edícula e um banheiro no canto, cuja parede já era a da
rua.
Embaixo, quando
se passava pela cozinha, à direita, havia a edícula e o banheiro de baixo no
fundo, fazendo um “L” na parte de trás da construção. E nesta edícula havia uma
porta de ferro, que saía no quintal, que era encostado à rua, já que a casa era
de esquina.
Nesta noite,
estávamos dormindo no pavimento superior. De repente, escutamos alguém mexendo
na porta da edícula abaixo, forçando a fechadura.
E o fazia com
força, mexendo, mexendo, fazendo muito barulho, como se alguém tentasse entrar
pela porta.
O barulho nos
acordou a todos.
Estavam forçando
a porta, tentando entrar em casa pelo portão dos fundos. Se conseguissem,
estariam dentro de casa.
Ficamos
apavorados. Eu pedi à minha mulher ligar para a polícia imediatamente, antes
que cortassem o fio do telefone que passava no corredor pelo lado de fora da
casa.
Naquela época,
não existia celular ou internet. Só tinha mesmo o telefone fixo.
Enquanto ela
ligava para o 190, eu comecei gritar pela janela, exatamente em cima da porta
que estava sendo forçada: “—Saiam da porta da minha casa!! Estou armado aqui
vou atirar em vocês!!”.
Conversa fiada,
pois eu nunca tive arma dentro de casa e tampouco sei atirar.
Olhando para
baixo, lá do tal “L”, ao qual já me referi, não se via nada, porque, vendo-se
de cima, estava sempre escuro e a luz somente poderia ser ligada dentro da
edícula. Mas a última coisa que eu queria fazer seria descer até lá.
E o barulho
continuava, extremamente alto: “panque, panque, panque!!!!”. Era a fechadura
sendo alucinadamente forçada lá embaixo.
Ficamos
apavorados quando tocou a campainha de casa. Abrimos a janela da frente no
outro lado era a polícia: “O senhor é o Flávio? Nos chamou??”
Respondi, mais
que depressa: “Sim, sim, estão invadindo minha casa aqui na porta dos fundos.
Estão tentando entrar!”.
O policial me
perguntou: “Podemos pular o muro para verificar?”. Respondi: “Claro! Rápido,
por favor!”.
Nisto, meu
vizinho já havia acordado com todo o barulho daquilo.
Já estava na
porta, junto à viatura policial, enquanto os três guardas armados pulavam as
grades e checavam todo o quintal.
E então voltaram
na parte da frente e disseram: “Sr. Flávio, o senhor pode ficar sossegado. Quem
estava forçando sua porta deve ter fugido, porque não tem ninguém no seu
quintal.”.
Então acendemos
todas as luzes, descemos e abrimos a porta da frente. Fomos ao encontro dos
policiais e do Alfredo, que estavam à frente da casa.
Assinei, a
pedido da polícia, um papel e apresentei meus documentos para registro da
ocorrência, creio eu.
O Alfredo então
entrou em casa, dizendo-me que, se eu precisasse de alguma coisa, era só
chamar. Acredito que ele, hoje, já tenha falecido, porquanto já era sexagenário
naquela época. Boa pessoa.
Fui com os
policiais, pelo lado de fora, até a porta e não vimos realmente nada de mais
ali. A porta estava fechada e tudo certo. Minha esposa tinha acendido a luz pelo
lado de dentro e tudo ficou bem iluminado do lado de fora do “L”.
Então me despedi
dos policiais agradecendo a rapidez deles. Então me disseram: “Vamos fazer
ronda aqui até amanhecer. Caso ocorra alguma outra coisa, é só ligar, que
chegaremos em poucos minutos. Boa noite, ao senhor e sua família.”.
E foram embora.
Fechei o portão da garagem e a porta da frente. E entrei em casa, aliviado.
“—Pronto!” —
pensei. “Escapamos de uma boa Graças a Deus!”. Se invadissem minha casa, o que
eu iria fazer desarmado, com minha esposa e filho pequeno? Estaríamos fritos!
Ainda bem que a porta aguentou bem e não conseguiram invadir.
Então me dirigi à
edícula, passando pela cozinha, pela parte de dentro desta vez, com todas as
luzes acesas. Enquanto o fazia, pedi à minha esposa e filho que subissem as
escadas.
O “L” era
completamente interno e a casa tinha uma porta de ferro nos fundos e outra — de
alumínio — na frente.
Cheguei à
edícula e olhei a porta, desta vez por dentro, com todas as luzes acesas.
Não havia nada.
Assim como por fora. Nenhuma sujeira, nenhum sinal de tentativa de invasão.
Nada. Muito estranho.
Fiquei muito
intrigado com isto. Com o barulho que ouvimos, deveriam ter quebrado alguma
coisa na porta, uma maçaneta pelo menos, já que o barulho vinha dela. E que
barulho forte! Que força deviam ter feito ali!
Mas não havia
nada.
Então,
calmamente, eu me aproximei da porta, coloquei minha mão da fechadura e mexi.
Então não
acreditei: A porta abriu na hora! Ela estava destrancada: eu havia esquecido de
fechá-la antes de ir dormir.
Fiquei
aterrorizado! O que tinha havido ali? Se fossem ladrões invadindo minha casa,
teriam entrado imediatamente, pois, a porta estava aberta!!
Nesta hora me
“caiu a ficha”, como dizíamos na época.
Não é possível
que houvesse alguém ali. Ninguém pulou, nem nada...
Se fossem ladrões, tinham ganhado o dia
entrado sem mesmo precisar fazer qualquer barulho.
Ou seja, foi
algo extraordinário e inexplicável o que aconteceu naquela noite naquela casa
com história de coisas pesadas e ruins.
Sentei-me
ofegante na cozinha. Apavorado.
O fato é que
moramos naquela casa mais alguns anos. Com grandes problemas. Não fomos felizes
ali, exatamente como o Sr. Luciano havia previsto.
Quando eu
devolvi a chave para ele e nos mudamos para uma casa pequena na Vila Leopoldina,
tudo voltou ao normal. Passados tantos anos, meu filho já é homem feito; tenho
outro filho, igualmente adulto. E estamos casados — eu e minha esposa — há 34
anos. Temos hoje duas casas próprias: uma em São Paulo, outra na Praia. Graças
a Deus.
Mas não graças àquela
casa. Outro dia, passei por lá, na loja de peças que hoje existe no local, e,
imediatamente – no balcão –, senti o peso do lugar!
Puts
ResponderExcluir