O CÃO SELVAGEM - Conto Clássico de Terror - Pu Songling
O CÃO SELVAGEM
Pu Songling
(1640 – 1715)
Durante
a rebelião liderada por Yu Qi[1],
homens morreram em incontáveis números, ceifados como campos de cânhamo.
Naquela época, um camponês chamado Li Hualong tentava encontrar o caminho de
volta para casa, atravessando as colinas, quando encontrou um destacamento de
tropas do governo em uma marcha noturna. Temendo ser apanhado
indiscriminadamente como um bandido e não tendo onde se esconder, deitou-se
sobre um monte de cadáveres decapitados, fingindo estar morto, e lá permaneceu
até muito tempo depois que as tropas haviam passado.
Então,
de repente, ele viu os cadáveres, em sua maioria sem cabeça e sem braços,
erguerem-se em fileiras cerradas, como árvores em uma floresta. Um deles, com a
cabeça ainda dependurada nos ombros, disse, ofegante:
—O
cão selvagem está chegando! Estamos perdidos!
Os
outros responderam, num coro irregular:
—
Pronto, está tudo acabado!
No
instante seguinte, os cadáveres tombaram novamente e ficaram imóveis, em
silêncio. Li estava prestes a se levantar (embora tremesse de medo), quando viu
uma criatura, vindo em sua direção, com cabeça de animal e corpo de homem.
Quando
se achegava, o “cão selvagem” encurvava-se, cravava os dentes nas cabeças, uma
após a outra, e sugava-lhe os cérebros. Aterrorizado, Li enterrou a própria
cabeça sob o cadáver mais próximo. O monstro puxou o ombro de Li para chegar-se
ao seu crânio, mas Li se enterrou ainda mais e conseguiu, por um tempo, ficar
fora de seu alcance, até que, finalmente, o monstro empurrou o cadáver para o
lado, expondo, assim, a cabeça de Li.
O
apavorado Li, tateando desesperadamente no chão, embaixo dele, agarrou uma
grande pedra, do tamanho de uma tigela, e segurou-a com força em sua mão.
Quando a criatura se abaixou para mordê-lo, ele se ergueu e, com um grande
grito, esmagou-lhe as fuças com a pedra. A coisa fez um barulho estranho, como
o chirriar de uma coruja e saiu correndo, segurando a cara e cuspindo golfadas
de sangue na estrada.
No
sangue, quando examinou mais de perto, Li descobriu duas presas, curvas e afiladas,
cada uma com mais de quatro polegadas de comprimento. Levou-as consigo para
casa, a fim mostrá-las aos amigos, e nenhum deles fazia a menor ideia de que espécie
de estranha fera poderiam ter sido aquelas presas.
Versão em português de
Paulo Soriano.
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