O FANTASMA DA VIÚVA ASSASSINADA - Conto Clássico de Terror - Gan Bao


 

O FANTASMA DA VIÚVA ASSASSINADA

Gan Bao

(?  - 336)

 

Nos tempos da dinastia Han[1], Ho Chang, de Jiujang, quando servia como inspetor da prefeitura de Jiao, deslocou-se à terra de Gaoan, em Cangwu, a trabalho. Caída a noite, ele pernoitou no Pavilhão do Ganso de Neve Voador.

No meio da noite, surgiu uma mulher na entrada do edifício e lhe contou a seguinte história:

— Eu sou Su O, da vila de Xiu, na província de Guangxin. Perdi os meus pais muito cedo e não tenho irmãos. Casei-me com um membro da família Shi, da minha província. Todavia, o infortúnio me perseguiu e o meu marido morreu.

“Eu era dona de duzentos rolos de variadas espécies de seda e tinha uma serva chamada Zhifu.

“Estando sozinha e sem recursos, e não suportando aquele estado em que me encontrava, decidi viajar à província vizinha para vender as minhas sedas. Aluguei, por doze mil moedas, uma carroça de boi pertencente a Wang Bo, um homem de minha terra. Viajava na carroceria junto às sedas, enquanto Zhifu segurava as rédeas.  Assim, caminhando e caminhando, no vigésimo dia do quarto mês do ano passado alcancei este pavilhão.

“Porque o Sol já se punha, impedindo a viagem, não segui adiante. Estando Zhifu acometida por uma violenta dor de estômago, corri à casa do chefe da aldeia em busca de um pouco de papa de aveia e lareira.

“O chefe da aldeia, Gong Shou, pegou uma adaga e uma alabarda e, subindo à carroça, perguntou:

“—De onde vens? O que tens na carroça? Onde está o seu marido? Estás viajando sozinha?

“Respondi:

“—Por que estás tão ansioso em saber?

“Então Shou agarrou-me pelos braços e disse:

“—Homens jovens gostam de moças bonitas. Eu vou me divertir contigo!

“Aterrorizada, eu não cedi a seus impulsos. Então Shou atingiu-me o flanco com a sua adaga, matando-me num só golpe. Depois, esfaqueou Zhifu, que também morreu.

“Shou cavou uma sepultura na entrada deste prédio e nos enterrou juntas: eu no fundo e a minha serva sobre o meu cadáver.

“Ele apossou-se da mercadoria, matou o boi e queimou a carroça. Jogou os ossos do animal e a ferragem da carroça num poço vazio do pavilhão.  

“Desde a minha morte, não tenho paz, senão um ódio passível de mover os Céus. Não tendo ninguém para relatar o sucedido, propositalmente retornei a este lugar para contar-te a minha história.”


 


 

—É necessário que eu encontre o teu corpo — disse Chang. — O que serviria de prova?

—Eu usava roupas de cima e de baixo brancas e calçava sapatos de seda verde. Estes ainda não se corromperam. Quero que viajes à minha cidade natal e sepultes os meus ossos juntos com os do meu falecido marido.

A escavação confirmou a história. Chang voltou a Jiao e de lá enviou um oficial para prender Gong Shou.  Interrogado sob tortura, ele tudo confessou. Chang foi à terra de Guanxin para aprofundar as investigações e a história de Su O foi corroborada pela gente local. Os pais e os irmão de Gong Shou foram presos e enfiados na cadeia.

Chang escreveu um memorando arguindo o seguinte: “Nos casos ordinários de assassinato, a punição não se estende aos parentes do criminoso. Mas Shou é um facínora e conseguiu esconder o seu crime por um ano, escapando da lei imperial. Apenas uma vez em mil anos os mortos retornam para reclamar justiça. Requeiro que toda a família de Gong Shou seja decapitada para provar a existência de fantasmas e, assim, ajudar as regiões inferiores a praticar a justiça.”

O imperador aprovou o requerimento.


Versão em português de Paulo Soriano.




[1] Entre os anos 206 a.C. e 220 d.C.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O GATO PRETO - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

BERENICE - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe