A TAMPA DO CAIXÃO - Conto Clássico de Terror - Alexander Nikolayevich Afanasyev
A TAMPA DO
CAIXÃO
Alexander Nikolayevich Afanasyev
(1826 - 1871)
À noite, seguia um camponês pela estrada, em
sua carroça, carregada de potes.
Cansado,
o cavalo, de repente, parou ao lado de um cemitério. O mujique[1], desatrelando-o,
soltou-o para pastar. Enquanto isso, deitou-se sobre uma das sepulturas.
Contudo, permaneceu acordado.
Sobre
a lápide, ficou o camponês a repousar por algum tempo. De repente, a sepultura
começou a abrir-se. Sentindo um movimento sob o corpo, levantou-se num salto. O
sepulcro abriu-se e dele saiu um cadáver; envolto numa mortalha branca,
segurava ele a tampa do caixão. Então, o redivivo correu para a igreja, colocou
a tampa do féretro junto à porta e partiu para a aldeia.
O
mujique era um camarada ousado. Apossou-se da tampa do caixão e permaneceu
parado, ao lado da carroça, esperando para ver o que aconteceria.
Passado
algum tempo, o morto-vivo retornou e andou à procura da tampa do esquife.
Depois de rastrear o seu pertence, o defunto, a contragosto do rapaz,
vislumbrou-o.
Disse-lhe
o cadáver, então:
—
Dá-me a minha tampa. Se não o fizeres, rasgo-te em pedaços!
—
E o que achas de minha machadinha? — respondeu o mujique. — Na verdade, eu é
que te vou cortar em pedacinhos!
—
Devolve-me a tampa, bom homem! — implorou o morto-vivo.
—
Eu o farei se me disseres de onde chegaste e o que lá fizeste.
—
Bem, eu estive na aldeia e lá matei dois jovens.
—
Bem, então diz-me como é que eles podem ser trazidos de volta à vida.
Relutantemente,
o cadáver respondeu:
—
Corta a borda esquerda da minha mortalha e leva-a contigo. Quando estiveres na
casa onde os jovens foram mortos, coloca algumas brasas numa panela e nela
deita o pedaço da mortalha. Em seguida, tranca a porta. Imediatamente, os
rapazes serão revividos pela fumaça.
Entregando
ao cadáver a tampa do caixão, o camponês cortou a borda esquerda da mortalha. O
cadáver correu à sepultura, e esta se abriu. Mas, quando o morto descia para o
interior do túmulo, os galos, de repente, puseram-se a cantar. Por conta disto,
o defunto não teve tempo de cobrir-se adequadamente. Uma ponta da tampa do
caixão permanecia para fora da cova.
O
mujique viu tudo isso e memorizou os detalhes. Amanhecia. O camponês atrelou o
cavalo e dirigiu-se à aldeia.
Numa
das casas, ouviu gritos e lamentos. Entrou. Lá estavam dois rapazes mortos.
—
Não choreis — disse ele. — Eu posso trazê-los de volta à vida!
—
Ressuscita-os! — pediram os parentes. — Dar-te-emos metade de tudo o que temos.
O
mujique agiu conforme a instrução do cadáver e os rapazes voltaram à vida. Os
familiares dos ressurrectos ficaram encantados, mas, imediatamente, agarraram o
mujique e amarraram-no com cordas, dizendo:
—
Ora, ora, trapaceiro! Vamos entregar-te às autoridades. Como sabias ressuscitá-los,
decerto foste tu que os mataste!
—
Em que é que estais a pensar, verdadeiros crentes? Tende o temor de Deus diante
de vossos olhos! — gritou o mujique.
Então
ele contou-lhes tudo o que havia acontecido durante a noite.
Bem,
sucedeu que os parentes espalharam a boa-nova pela aldeia. Toda a população se
reuniu e foi em massa no cemitério. Descobrindo facilmente o mojique a
sepultura de onde o homem morto havia saído, abriram-na e cravaram uma estaca
de álamo no coração do cadáver, a fim de que este não mais pudesse levantar-se
para matar outras pessoas. Depois, recompensaram ricamente o camponês e
mandaram-no para casa com grande honra.
Versão em português de
Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de William Ralston Shedden-Ralston (1828–1889).
muito bom, este é um verdadeiro e genuíno conto de terror.
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