ASCENSÃO E QUEDA DE UM GIGOLÔ - Conto de Terror - Otrebor Ozodrac
ASCENSÃO E QUEDA
DE UM GIGOLÔ
Otrebor Ozodrac
HOJE É UM DIA EXCEPCIONAL
PARA MIM. UM DIA EM QUE TUDO O QUE ALMEJO E ESPERO ACONTECERÁ. NÃO TEREI, NESTE
DIA, AQUELAS DORES DE CABEÇA QUE ME FAZEM ENLOUQUECER EM DESESPERO. NÃO
SENTIREI DORES NAS ARTICULAÇÕES QUE ME IMPEDEM DE CAMINHAR NORMALMENTE, OBRIGANDO-ME
A FICAR A AMAIORIA DO TEMPO SENTADO. NÃO SENTIREI A FOME QUE ME DEVORA OS
INTESTINOS E ME FAZ DOER O ESTÔMAGO.
Esta
é a oração que o infeliz mendigo fazia todos os dias, após acordar debaixo do
banco da praça. Embora a fizesse diariamente, ao amanhecer, dali nunca saía,
sequer levantava, a não ser para fazer as necessidades fisiológicas e comer os
restos de pães, que os pombos deixavam espalhados pela praça. E assim, parecia
o estandarte da perpétua penúria e derrota.
O
velho era magro, quase seco, com profundas rugas nas faces. As manchas
castanhas do benigno câncer de pele que o sol provocara, dada as andanças pelas
ruas ensolaradas, dominavam-lhe todo o rosto. As mãos tinham cicatrizes
profundamente sulcadas, dada a prática de revirar lixos para apanhar qualquer
coisa que pudesse lhe servisse de alimento. Também nos pés pela necessidade de
caminhar com os pés descalços.
O
alquebrado pelo tempo passa a mão pelo rosto murcho: mão enrugada e cadavérica
deslizando num rosto de cadáver. Sua barbicha branca, rala e suja é alisada
pela mão, que escorregara sobre a face. O homúnculo deixa cair os braços e fica
imóvel como um cadáver.
Ali,
parado, pensativo, discreto remetia seus pensamento até tempos longínquos- Era
garoto, não teria mais do que doze anos, quem sabe treze, estava na Praça
Tamandaré, na cidade de Rio Grande, onde nascera. Apoiando à mão em uma estátua
de mulher, em bronze, que tinha na cabeça um jarro. Ele, menino, encosta-se no
corpo seminu da escultura, fica excitado e percebe que uma parte de seu corpo,
sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe
tinha acontecido.
Após
alguns instantes, ele menino, ejacula pela primeira vez, se tornara homem. O
tempo passou, o menino tornou-se adulto, um homem frio e brutal. Como
profissão, dado a seus atributos físicos, escolheu a exploração de mulheres.
Encarava
a exploração a que as submetia, como um direito que lhe assistia, ou melhor, um
dom recebido ao nascer, juntamente com seus atributos físicos, o que lhe
permitia satisfazê-las para depois subjugá-las.
Amou,
com todas as fibras de suas células, todas as mundanas que dele precisavam, com
carinhos que dele trasbordava.
Madalena,
ah, Madalena! Conhecera aquela mulher, quando ela tinha apenas dezessete anos,
uma flor de mulher, desabrochando como um botão de rosa prestes a
transformar-se em uma bela e resplandecente flor, que no amanhecer se enchia de
finas bagas de orvalho. Aos trinta e dois anos, no auge de sua carreira de
explorador, começara a namorar aquela jovem, que se perdera de amores por ele,
mas uma flor tão bela teria de ser cultivada, regada até que chegasse ao ponto
de ser colhida. De início levara para viver em seu cafofo, passando com ela
todas as horas do dia, pois a noite dizia-lhe que tinha de trabalhar como
segurança. Certo dia ao chegar de manhã, ela o esperava como sempre radiante e
cheia de ternura. Ele fingindo uma doença inexistente, lhe disse que não
aguentava mais trabalhar, que há vários dias que se sentia mal, sofrendo de
dores atrozes no estomago e, que naquele dia, teria de ir ao médico. De retorno
do médico, que não tinha ido, lhe disse:
—
Querida, estou praticamente condenado, não poderei mais trabalhar, segundo o
que me disse o médico, tenho uma úlcera que pode evoluir para uma doença ruim.
—
Meu amor, isso não pode estar acontecendo conosco. O que será de nós se não
puderes trabalhar para prover o nosso sustento. Se não tivéssemos brigado como
os meus pais, poderíamos morar com eles até que melhorasses.
—
Nem pensar, teus pais não me suportam e eu os detesto. Prefiro morrer ao ter
que me socorrer deles.
—
Então vou trabalhar, vou arrumar um emprego até que tu te recuperes.
—
Não será tão fácil, assim, os empregos estão cada vez mais escassos, os
salários são baixos, não conseguiras prover o nosso sustento, pagar o aluguel
do cafofo, luz, água e ainda o meu tratamento médico.
Abraçaram-se
e ficaram ali parados. O coração de Madalena batia descompassadamente.
Ele
a pegando por ambos os braços a afasta de seu corpo e fitando-a nos olhos lhe
diz:
—
Há uma maneira de proveres o nosso sustendo por algum tempo.
—
Diga que eu faço.
Assim,
ela começou a servir drinques em um bordel.
Ele
apenas a deixava sair, para logo, partir para as suas atividades noturnas.
O
ganho era pequeno, ele fingia estar cada vez mais doente, as contas se
avolumavam. Ela sem que ele soubesse, começou a fazer programas de sexo, assim
ganhando o suficiente para dar conta dos gastos cada vez mais elevados.
Deste
modo, Madalena iniciou a vida de meretriz, ele continuava a lhe dar carinho e
segurança, o que dava também as demais mulheres que tinham a sua proteção, das
quais ele levava a maior parte dos ganhos.
Assim,
o explorador aliciava todas as mulheres que em pouco tempo passavam a exercer a
prostituição e a serem exploradas por ele.
Sua
derrocada começou de forma inocente, em novembro de 1985, Julião andava na rua
quando de repente, viu um homem que portava uma tabuleta de reclames a frente e
as costas. O homem circulava, na tabuleta dizia:
ENCANTADORA
E ENIGMÁTICA CANTORA, HOJE NA CASA DE SHOWS NA RUA RIACHUELO 575. INÍCIO DO
ESPETÁCULO ÀS 23 HORAS.
Às
vinte e três horas, Julião entrava na casa de shows, lá ele conheceu uma mulher
que à primeira vista lhe pareceu poder ser mais uma de suas vítimas. Era uma
negra jambo, com cabelos encaracolados, longos. Fora contratada para cantar na
boate.
O
explorador tinha diante de si uma mulher elegante vestindo um traje escuro
pouco vulgar, o rosto pintado discretamente.
Pela
primeira vez o varão sentia algo estranho a lhe acontecer, e isso, o
constrangia um pouco, aquela trintona, lhe perturbara os sentidos, sentiu pela
primeira vez uma atração sexual, nunca dantes sentida. Sua face, de uma nitidez
deslumbrante, lembrava-o da estátua, que o fizera homem.
Sua
voz, ele não sabia bem o porquê, tinha um som inebriante, soando como música em
seus ouvidos. E só agora ele percebia a beleza daqueles olhos brilhantes, cor
de pérola, que se harmonizavam tão bem com os cabelos negros.
Ela
tirou da bolsa um cigarro, prendeu-o entre os dedos e aproximou-se dele
expressando o desejo de que o acendesse. Ele apressou-se em puxar o isqueiro
para acender o cigarro.
Ela
o encarou por algum tempo em silêncio como o estivesse analisando, ele foi
acometidos de uma leve perturbação.
A
cantora agradeceu a gentileza e foi sentar à mesa com outros clientes. O varão
encostado ao balcão, não conseguia tirar os olhos daquela criatura que, diga-se
de passagem, não era uma mulher de grande beleza, tendo alguns quilos a mais em
seu formato.
Quando
ela levantou-se e se dirigiu ao camarim, ele a seguiu e antes de ela entrar
recinto foi interpelado por ele.
—
Permita que me apresente: Sou Júlio Afonso Ranter, mais conhecido por Julião.
Ela o olhou de cima a baixo e disse:
—
Foi você que me acendeu o cigarro, quer um agradecimento por isso? Muito
obrigada. Dê-me licença que devo preparar-me para uma nova apresentação. E se
afastou, deixando-o boquiaberto.
Pela
vez primeira, uma mulher não tinha se perturbado com a sua máscula presença.
Ele sentiu-se, inseguro em sua presença, como um pássaro que atraído pelos
olhares da serpente, fora atordoado e saltara em sua direção.
Um
véu transparente cobria sua existência naquele momento, não uma névoa rala, mas
uma névoa grossa, como aquelas que cobrem toda a Londres. De repente se sentia
inseguro, perdera aquela inquestionável higidez de seu espírito, que tanto
perturbava as mulheres. Sentia por ela a mesma atração que o ímã exerce para o
aço.
Mas
ainda havia uma esperança, tinha que fazer amor com ela e subjugá-la como
fizera com todas as outras.
Assim,
passou a frequentar o cabaré onde ela cantava, e noite a pós noite dela se
aproximava para cumprimentá-la na anciã de que o convidasse a sentar a sua
mesa. Uma noite, após havê-la cumprimentado, foi convidado a sentar a sua mesa.
Inseguro como nunca havia ficado, para encetar uma conversação, iniciou por
elogiá-la quanto ao seu desempenho como cantora.
Era
de êxtase, o olhar dele, tamanho foi o enlevo que não conseguia dizer mais nada
a não ser palavras de elogio e admiração. Ela, por sua vez, parecia soturna e
indiferente aos elogios do admirador.
Fingiu
sentir uma languidez estranha que lhe tomava as pernas e a nuca e desmaiou.
Dois
homens que ao lado estava, apressaram-se em socorrê-lo. Foi levado ao camarim
da cantora, e, após alguns minutos fingiu acordar do desmaio.
—
Como está se sentindo? — perguntou a cantora.
Fingia
que a cabeça rodeava e que não sabia o que estava acontecendo.
—
Não sei onde estou e o que aconteceu? — disse isso colocando a mão sobre a
cabeça. — Tudo está rodeando — acrescentou.
—
Fique aqui no meu camarim até que se sinta melhor.
Finalmente
estava no covil da loba, bastaria jogar seu charme para levá-la para a cama.
Se
mostrava servil e dedicada ao enganador, este por sua vez, apresentava sinais
visíveis de melhoras e de aproximação.
Algumas
horas passadas, o dia havia clareado, ele fingia estar dormindo, ela resolvera
tomar banho.
Fingiu
despertar quando ela estava quase nua, vestida com calcinha e sutiã. Pode ver
que se tratava de uma mulher de bela escultura corporal.
O
olhou com pudor, mas não tentou esconder-se, procedeu naturalmente, como ele
fosse um homem insignificante.
—
Quer tomar banho? - perguntou ao homem com desembaraço e indiferença.
—
Sim, se não se incomodar?
—
Podemos tomar banhos juntos, assim você me esfrega as costas- disse isso como à
maior singularidade.
—
Sim, perfeitamente. – Agora é que o brutos vão atuar – pensou.
Despiram-se
e foram ao banho, durante a ducha ambos ficaram excitados e terminaram na cama
fazendo amor. O macho confiava em seus dotes de homem viril e avantajado.
Pela
vez primeira conhecera uma mulher lúbrica, que após uma relação carnal, que lhe
sugara todas as energias, lhe pedira desculpas por ser voluptuosa, dizendo: “Espero
que isso não seja motivo para me temeres”. — Disse com um jeito brejeiro de quem está
envergonhada.
Nunca
tal lhe havia acontecido, costumava a ser elogiado por seu desempenho na cama.
Estava vexado pelo péssimo desempenho. Julião se encontrava visivelmente
extenuado, fora de combate, apenas na primeira batalha, parecia-lhe que todas
suas forças haviam sido sugadas, ao passo que sua contentora parecia
perfeitamente dominadora, com que tivesse acumulados todas às energias dele
sugadas. Aquela mulher brincara com ele, como um gato, brinca com o misero
rato, ante de devorá-lo.
Saiu
desorientado, nunca tinha encontrado em toda a sua vida uma mulher tão
singular, que o suplantasse em tudo aquilo em que se intitulava uma raridade da
espécie, aquilo que lhe permitia viver explorando mulheres. Retornou a seu
cafofo, dormiu refazendo-se do sono atrasado. Sonhou que rastejava aos pés
daquela mulher que, com um relho, o dominava qual domador domina os leões no
circo.
Após
o repouso, ao acordar, lhe veio à mente aquela imagem, os momentos de volúpia
alucinante que ela lhe havia proporcionado. Sentiu que não viveria mais sem
aquele corpo moreno avassalador. No resto do dia não conseguiu pensar em outra
coisa a não ser nela, sem que, no entanto, compreendesse o que tinha ela que
lhe causava aquele fascínio enlouquecedor.
Às
onze horas da noite, ele estava chegando ao local onde encontrara o cabaré, o
número 575, da Rua Riachuelo não existia, não reconheceu em nenhuma das
entradas das inúmeras casas de tolerância a entrada da casa de shows. Foi ao
posto de gasolina da esquina, o frentista lhe disse que estava enganado, pois
ali, nunca havia tido tal cabaré.
Daquele
dia em diante, deixou-se cair em abandono das forças, não mais procurou as suas
mulheres, nem delas quis qualquer quantia. Pois suas energias tinham sido
esvaziadas, não tinha mais a supremacia por elas. Sua virilidade deixara de
existir. Passou a vagar pelas ruas falando coisas sem nexos como: “Onde posso
te encontrar? Você roubou todas as minhas energias, quero tudo de volta, não
posso viver, assim, sem ter o que fazer”.
Como
não podia prover o seu sustento, pois nada sabia fazer, apenas explorava os
dotes recebidos ao nascer, tornou-se o mendigo que é hoje.
Ilustração: Jules Bastien-Lepage (1848 – 1884).
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