O ANCIÃO QUE VOLTOU DA MORTE - Conto Clássico de Terror - Pu Songling


 

O ANCIÃO QUE VOLTOU DA MORTE

Pu Songling

(1640 – 1715)

 

Na aldeia de Chu, em Chi-yang, havia um homem chamado Chu, que morreu com a idade de cinquenta e tantos anos. Imediatamente, seus parentes puseram-lhe as vestes mortuárias. Mas, de repente, os familiares ouviram o homem morto gritar. Correndo ao esquife, descobriram que ele retornara à vida. E, cheios de alegria, começaram a fazer perguntas.

O cavalheiro, contudo, dirigiu-se apenas à esposa, dizendo:

— Quando morri, não esperava retornar. Todavia, quando me afastei algumas milhas, pensei no teu pobre e velho corpo, que eu deixara para trás, dependente dos outros em tudo e sem mais prazer para a vida. Então, resolvi voltar e levar-te embora comigo.

Os espectadores pensaram que era apenas uma conversa desconexa de um homem que acabara de recobrar a consciência e não deram importância ao que ele dizia. Mas o velho repetiu aquelas palavras. Então, disse-lhe a mulher:

—Tudo está muito bem, mas acabaste de voltar à vida. Como, então, voltarás diretamente para a morte?

—É extremamente simples — respondeu o marido. — Apronta-te para que venhas comigo.

 


 

A velha sorriu, mas nada fez. O Sr. Chu pediu novamente que ela se preparasse e saiu de casa.

Pouco depois, retornou. A esposa fingiu que havia feito o que ele mandara.

—É melhor que te aprontes — disse ele.

No entanto, a Sra. Chu não se moveu até que ele a pressionasse mais uma e outra vez. Então, para não o contrariar, a mulher aprontou-se convenientemente.

As outras senhoras da família riram às escondidas quando o Sr. Chu deitou a cabeça no travesseiro e disse à esposa que fizesse o mesmo.

Ela estava começando a dizer “é ridículo demais”, quando o Sr. Chu deu um golpe com a mão na cama e berrou:

—Que graça há nisto? O que há para rir, quando se morre?

Os membros da família, vendo que o velho senhor estava furioso, implorou à mulher que lhe satisfizesse os caprichos.

A Sra. Chu, em seguida, deitou-se ao lado do marido, para a infinita diversão dos espectadores. Todavia, logo as pessoas perceberam que a velha senhora deixara de sorrir e que, aos poucos, os seus olhos se fechavam.

Durante muito tempo, não ouviram som algum, como se ela estivesse dormindo. Mas, quando alguns dos presentes se aproximaram para tocá-la, descobriram que ela estava tão fria quanto o gelo e não respirava mais. Depois, voltando-se para o marido, perceberam que ele também havia falecido.

Esta história me foi integralmente relatada pela cunhada mais nova do Sr.Chu, que, no vigésimo primeiro ano do reinado de K’ang Hsi[1], era empregada na casa de um alto funcionário chamado Pi.


Versão em português de Paulo Soriano.



[1] Ou seja, no ano de 1682.

Comentários

  1. Barão, uma amiga minha tinha um avô e avó, aconteceu algo bem parecido com eles e ela me contou uma história bem parecida, igual neste conto. Coincidência eu estar lendo este conto agora? Coincidência não há. Creio que teremos uma surpresa ao morrermos: nos sentiremos mais vivos do Outro Lado do que Deste Lado de Cá.

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