O CURUPIRA E OS MENINOS - Lenda Indígena do Rio Branco - Anônimo do Séc. XIX
O CURUPIRA E OS
MENINOS
(Lenda indígena do Rio Branco – Séc. XIX)
Contam
que uma mulher tinha dois filhos.
Para
comer, foram os filhos, certa manhã, pescar. No caminho, encontraram-se com o
Curupira, que lhes disse:
—
Vocês querem peixe, meninos? Venham comigo, ali no laguinho, que eu os pego
para vocês.
Os
meninos foram com o Curupira. Mas, de repente, perderam-se dele. Já noite, ele
apareceu outra vez e foi ter com os meninos.
—
Venham comigo — disse o Curupira. —Já é noite. Amanhã eu lhes mostro o caminho
de casa.
Logo
o Curupira chegou em casa e deu os meninos à mulher, que era velha e horrível. No
dia seguinte, quando amanheceu, o Curupira disse:
—
Eu vou caçar, velha. Mata um destes meninos e cozinha-o para que eu o coma quando
voltar.
Depois,
foi para o mato.
—
Meus netos — disse a velha às crianças —, vamos apanhar inajá[1]
para comer?
Um
deles, o mais velho, ouvira o Curupira dizer à mulher: — mata um destes
meninos —, mas não teve tempo de avisar o irmão. Logo depois, seguiram. A
velha levava um ferro de cova na mão, dizendo que este serviria para cavar
mandioca. O menor trepou ao inajazeiro e a velha o espetou com o ferro de cova,
matando-o. O seu irmão mais velho quando isto viu, disse a si mesmo:
—
Agora mesmo eu mato esta velha!
Depois,
disse à velha:
—
Minha avó, agora eu vou tirar um cacho de inajá. Deite-te embaixo de inajazeiro
para me mostrar os cachos maiores, porque assim é que fazia minha mãe.
A
velha deitou-se depois em baixo. O menino atirou em cima da velha o cacho de inajá,
matando-a prontamente. O menino, depois,
desceu, esquartejou a velha, pôs as maminhas, e não outras coisas, para o Curupira
conhecer.
Dizem
que o Curupira tinha um papagaio, que perguntou ao menino quando este chegou:
—
Você já matou a velha?
—
Sim, já matei.
—
Meta no buraco de uma taboca[2] o
cuspe da velha e esmigalhe todo o vidro do espelho que está em casa, para que eu
possa fugir também contigo.
O
menino fez tudo quanto o papagaio disse. Depois, cozinhou tudo e perguntou ao
papagaio:
—
Que devo fazer agora?
O
papagaio respondeu:
—
Vá logo. O Curupira está para chegar e eu também me vou embora.
Antes,
porém, o menino foi pôr veneno na ponta da flexa e depois foi deitar-se na espata
do inajá grande. Imediatamente chegou o Curupira, chamando:
—
Velha! Velha!
O
cuspe que o menino enterrara respondeu ao Curupira:
—
Uh! Uh!
A
velha respondia, porém não vinha. Então, o Curupira foi comer. Quando acabou, achou
a maminha da velha e, então, chorou.
Não
viu, então, o seu papagaio. Quando procurava a ave, achou um pedacinho do vidro
do espelho e nele viu o menino que estava deitado na espata do inajá.
Então,
foi com o machado cortar o inajazeiro.
O
menino flechou o Curupira e o feriu mortalmente.
O
menino, então, desceu e foi para casa de sua mãe.
Foi
depois disso que o Curupira, para vingar-se do menino que matou sua mulher, dedicou-se
a matar crianças.
Texto reelaborado por
Paulo Soriano a partir da tradução de José Barbosa Rodrigues (1842 – 1909).
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