A GANÂNCIA PUNIDA - Conto Clássico de Terror - Anônimo Chinês


 

A GANÂNCIA PUNIDA

(Anônimo chinês)

 

No Sul de Yangtze-kiang, um certo homem investiu-se no cargo de professor, em Sutschoufu situado na fronteira com Shantung. Ao chegar ao seu destino, descobriu que o colégio não havia sido, ainda, concluído. No entanto, alugaram um prédio de dois andares nas redondezas, no qual o professor deveria morar e manter a escola nesse meio tempo. Tal casa situava-se fora da aldeia, não muito longe da margem do rio. A partir da casa, uma ampla planície, coberta de arbustos emaranhados, estendia-se por todos os lados. O professor ficou satisfeito com a vista que se lhe abria.

Certa noite, estava ele parado, em frente à porta de sua vivenda, contemplando o pôr do Sol. A fumaça, expelida pelas chaminés aldeãs, gradualmente se fundia com as sombras do crepúsculo. Todos os ruídos do dia se haviam dispersado. De repente, ao longe, ao longo da margem do rio, o professor viu um brilho de ígneo. Imediatamente, correu para ver o que poderia ser. E ali, na margem, se deparou com um caixão de madeira. Era de lá que vinha aquele esplendor.

O professor pensou consigo mesmo: “As joias com que adornam os mortos, em sua jornada, brilham à noite. Talvez haja pedras preciosas no caixão!”

Como a ganância despertou em seu coração, ele se esqueceu de que um caixão é um lugar de descanso para os mortos e deve ser respeitado. O professou pegou uma grande pedra, quebrou a tampa do ataúde e se inclinou para olhar mais de perto. E lá, no caixão, jazia o corpo de um jovem. Tinha o rosto branco como papel. O defunto usava um turbante de luto e seu corpo estava envolto em roupas de cânhamo. Viam-se sandálias de palha nos pés. Vendo-o, o mestre ficou deveras assustado e virou-se para partir. Mas o cadáver já havia se erguido, sentando-se sobre o ataúde. Tomado pelo medo, o professou pôs-se a correr. Abandonando o féretro, o cadáver saiu a persegui-lo. Felizmente, a casa não ficava longe. O mestre correu o mais rápido que pôde, subiu os degraus e trancou a porta atrás de si. Aos poucos, recuperou o fôlego. Do lado de fora, ruído algum se ouvia. O homem, então, pensou que, talvez, o cadáver não o tivesse seguido até ali. Abriu a janela e olhou para baixo. O cadáver estava encostado na parede da casa. De súbito, viu que a janela havia sido aberta. Com um pulo, soltou por sobre o cadáver. E, tomado de terror, o professor tombou da escada da casa, rolando, desmaiado, até o chão. O cadáver foi ao chão no pavimento superior.

Quando isto aconteceu, os estudantes já haviam votado para casa há muito tempo e o dono da casa morava em outro lugar, de modo que ninguém soubera do ocorrido. Na manhã seguinte, como de costume, as crianças foram à escola. Encontraram a porta trancada e, quando bateram à porta, ninguém atendeu. Em seguida, arrombaram-na e encontraram o professor, inconsciente, no chão. Embora tenham-no borrifado com gengibre, a custo extraíram-no do coma. Quando perguntaram o sucedido, o mestre contou-lhes tudo. Subiram e levaram o cadáver, que foi conduzido para fora dos limites da aldeia. Incinerado o corpo, somente os ossos remanescentes foram recolocados no caixão.

O mestre disse, com um suspiro:

—Por causa de um instante de ganância, quase perdi minha vida!

O mestre renunciou ao cargo, voltou para casa e jamais, nos dias vindouros de sua existência, voltou a falar de locupletamento injusto.

 

Nota do editor original: O cadáver usa um turbante de luto e está enlutado. Conforme a tradição local, os jovens que morrem antes dos pais são colocados nos caixões vestidos de luto, para que, mesmo na morte cumpram, o seu dever e possam chorar os pais quando estes tiverem falecido. O conto é retirado do Su Tsi Hia.

Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução de Fredeick H. Martens (1874 - 1932).

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