AS CRIANÇAS VERDES - Conto Clássico Sobrenatural - William of Newburgh
AS CRIANÇAS
VERDES
William of Newburgh
(1136 – 1198)
Não
me parece correto deixar em branco um prodígio inédito que, como se sabe,
ocorreu na Inglaterra durante o reinado do rei Estêvão. Embora o fato seja
atestado por muita gente, por muito tempo alimentei dúvidas sobre tal assunto e
considero ridículo dar crédito a uma circunstância que, a par de não se apoiar
em qualquer base racional, apresenta um caráter sobremodo misterioso. No
entanto, por fim, fiquei tão impressionado com o peso de tantas e tão confiáveis
testemunhas, que fui compelido a acreditar na narrativa e a me maravilhar com
um assunto que eu era incapaz de compreender, ou mesmo desvendar, por quaisquer
poderes do intelecto.
Na
Ânglia Oriental há uma aldeia que dista quatro ou cinco milhas do nobre
mosteiro do abençoado rei e mártir Edmundo. Perto deste lugar são vistas
algumas covas muito antigas, chamadas "Tocas de Lobo”, e que dão nome à
aldeia adjacente. Durante a colheita, enquanto os ceifadores recolhiam os produtos
dos campos, duas crianças — um menino e uma menina —, completamente verdes em
suas pessoas e vestidas com roupas de cores estranhas e materiais
desconhecidos, emergiram de uma dessas tocas. Enquanto, atônitas, vagueavam
pelos campos, foram recolhidas pelos ceifadores e conduzidas à aldeia. Muita
gente correu para ver aquelas crianças tão estranhas, que passaram vários dias
sem tomar alimentos.
Quando,
todavia, as crianças estavam quase exaustas de fome e, mesmo assim, não podiam
saborear nenhuma espécie de comida que lhes era oferecida, um punhado de feijões
fora-lhes trazido do campo e, imediatamente, elas, com avidez, puseram-se a
examinar-lhes o caule, em busca de algo comestível. Todavia, nada encontrando
na cavidade do caule, choraram amargamente.
Diante
disso, um dos presentes, tirando os feijões das vagens, ofereceu-os às
crianças, que se apoderaram deles imediatamente e os comeram com prazer. Com
essa comida eles foram sustentados por muitos meses, até que aprenderam a consumir
o pão.
Por
fim, aos poucos, eles perderam a cor original, pelo efeito natural de nossos alimentos,
e tornaram-se semelhante a nós. Também aprenderam nossa língua. Pareceu, a
certas pessoas discretas, conveniente que as crianças se submetessem ao
batismo, que lhes foi convenientemente administrado. O menino, que parecia ser
o mais novo, sobreviveu pouco tempo ao sacramento e morreu prematuramente; sua
irmã, todavia, continuou com boa saúde e não diferia nem um pouco das mulheres
de nosso próprio país. Mais tarde, consta que ela se casou em Lynne e, consoante
dizem, viveu mais alguns anos.
Além
disso, quando já haviam aprendido a nossa língua, ao serem questionados sobre
quem e de onde eram, diz-se que responderam:
—
Somos habitantes da terra de São Martinho, que é considerado com peculiar
veneração no país que nos deu origem.
Sendo-lhes
ainda perguntado sobre onde ficava aquela terra, e como eles teriam vindo para
cá, responderam:
—Ignoramos
ambas as circunstâncias. Lembramo-nos, apenas, que, certo dia, quando estávamos
nos campos, alimentando os rebanhos de nosso pai, ouvimos um grande barulho —
como agora estamos acostumados a ouvir em Santo Edmundo quando se tangem os
sinos — e enquanto ouvíamos, admirados, aquele ruído, de repente ficamos, por
assim dizer, fascinados, e encontramo-nos entre vós, nos campos onde estáveis a
ceifar.
Quando
lhes indagaram se naquela terra eles criam em Cristo, ou se o Sol nascia, eles
responderam que o país era cristão e possuía igrejas. Todavia, disseram:
—
O Sol não se levanta sobre nossos compatriotas. A nossa terra é pouco animada pelos
seus raios. Contentamo-nos com aquele crepúsculo que, entre vós, precede ou se
segue ao nascer e ao pôr do Sol. Além disso, um certo país luminoso é visto,
não muito distante do nosso, mas que deste é separado por um rio caudaloso.
Diz-se
que esses e muitos outros assuntos, numerosos demais para serem mencionados,
foram relatados a indagantes curiosos. Que cada um diga o que quiser e
raciocine sobre tais assuntos de acordo com suas capacidades. Não me sinto
pesaroso de ter registrado um acontecimento tão prodigioso quanto milagroso.
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