OS TORMENTOS DO MONGE AMBRÓSIO - Conto Clássico de Terror - Simon François Blocquel, dito Frinellan


 

OS TORMENTOS DO MONGE AMBRÓSIO

Simon François Blocquel, dito Frinellan

 (1780-1863)

Tradução de Paulo Soriano

 

O mais célebre pregador de Madri, o soberbo Ambrósio, prior dos dominicanos, mergulhado no abismo da vaidade e do orgulho, culpado de assassinatos e estupros, estava nas masmorras da Inquisição. Lá, era presa dos tormentos do remorso e dos terrores do suplício. Todas as circunstâncias o acusavam, mas não havia nada que o justificasse. Ele foi conduzido a uma sala onde estavam sentados três inquisidores. Empalideceu ao ver os instrumentos de tortura.

Matilda, a sua cúmplice — Matilda, que o conduzira ao crime —, postava-se à sua frente e lançava-lhe um olhar triste e lânguido. A Inquisição não o interrogou. O acusado, diante dela, tem de confessar. Se ele nega, a tortura forçá-lo-á a confessar. Ambrósio fora acusado de homicídio e de feitiçaria: a garganta de Antônia fora cortada e encontraram o espelho mágico em sua cela. Isto provava os seus crimes. Mas ele os negava.

Submetido à prova, ele persistia, apesar dos terríveis tormentos, em afirmar que não culpado. As torturas só cessaram quando a dor violenta tornou-se insensível ao suplício.

Matilde, intimidada, não teve a mesma audácia: confessou tudo. Acusou Ambrósio de homicídio; mas declarou que só ela era culpada de bruxaria: o monge não entabulara relações com o demônio. A sua confissão ditou a sua sentença: foi condenada à fogueira.

Ambrósio foi levado ao calabouço para se confessar, e, lá, dominaram-no todos os terrores. Se persistisse em negar os seus crimes, esperava-o o interrogatório e todos os seus horrores. Se se decidisse confessar, acenderia a sua pira. Para além desta morte e destes tormentos que o cercavam, as chamas eternas brilhavam com um horrendo fulgor. Não se pode esperar perdão para crimes tão odiosos...

— Levanta os olhos, Ambrósio — disse uma voz familiar....

E Matilda estava diante dele, bela, adornada e radiante de alegria.

— Sou livre — disse-lhe ela — e sou feliz. Imita-me. Renuncia a um deus que se ira contigo e vem comigo gozar todos os prazeres que oferecem os espíritos infernais, sujeitos às minhas ordens. Que temes? Não mereceste cem vezes este inferno que te assusta? Tens tanta pressa em correr às suas chamas, e quereis lá chegar por meio de horríveis torturas? Estás a hesitar? Vou deixar-te morrer, já que não tens coragem de te salvar. Mas não leves este livro. Se, tendo ficado mais sábio, tu te sentires tentado escapar do auto-de-fé, lê as primeiras quatro linhas da sétima página.

Ambrósio permaneceu imóvel. Um oficial veio despertá-lo do torpor e o levá-lo à presença de seus juízes. Ele gostaria de continuar negando. A tortura está prestes a começar. E Ambrósio, consternado, confessa tudo. A sua sentença é exarada:  será queimado no auto de fé, que terá lugar à meia-noite daquele mesmo dia.

Trazido de volta à masmorra, permanece mergulhado num desespero estúpido. A este enfraquecimento seguem-se movimentos raivosos. Estremece e espuma.... Por acaso, os seus olhos caem sobre o livro que Mathilde lhe dera. E oscila. Toma o livro e começa a tremer.  Um trovão sacode a prisão. O espírito aparece, hediondo, assustador e sombrio.

A aparição segura na mão um pergaminho e, na outra, uma pena de ferro. Ambrósio implora-lhe que o salve, mas o demônio põe um preço nos seus serviços: o religioso deve renunciar, incondicionalmente, ao Deus que o criou. Pronto a sucumbir, Ambrósio novamente hesita. O demônio, com a sua pena de ferro, toca-lhe na mão esquerda, tira-lhe uma gota de sangue e apresenta-lhe o pergaminho:

—Assina este contrato — diz-lhe —, e eu te afasto dos teus inimigos.

O monge tomou a pena e já ia assinar. De repente, atirou-a para longe. Furioso, o espírito maligno desapareceu, proferindo maldições horríveis.  No entanto, o tempo passou. A noite acercou-se. Chegou a meia-noite.  

Ambrósio sentiu o sangue gelar e já podia sentir manifestar-se a dor e a morte. Pegando o livro fatal, leu apressadamente as quatro linhas mágicas.  O demônio estava agora diante dele, o pergaminho estava pronto...

Ambrósio estremeceu, a sua mão recusou-se a assinar. Mas, então, ouviu os arqueiros aproximarem-se. Os ferrolhos da sua porta foram puxados e a chave girou na fechadura. Com estremecimento, assinou o pacto.

— Salva-me! Salva-me! — disse ele ao diabo, cujos olhos brilhavam com uma alegria maligna.

O demônio, tomando Ambrósio nas garras, abriu as longas asas. As abóbadas descerraram-se para deixá-lo passar. Atravessando rapidamente um vasto país, após alguns minutos, o demo depositou Ambrósio nos precipícios da Serra Morena, e tudo, naquele deserto selvagem, assustava o atônito monge.

—Para onde me levaste? — perguntou ao seu guia infernal.

Mas este, em vez de lhe responder, olhava-o com malícia e desprezo:

—Ambrósio — disse finalmente —, ouve-me! Vou revelar-te os teus crimes. Aquela Antônia, que violaste, era tua irmã. Elvira, que mataste, era a tua mãe. Homem pequeno e vaidoso! Homem impiedoso, que se julgava inacessível à tentação, mostraste-te mais rápido a cometer o crime do que eu a sugeri-lo.  Recebe, agora, o preço das tuas iniquidades. Tu és meu e não sairás vivo destas montanhas.

Assim falando, cravou as garras na tonsura do prior e levantou-se com ele da rocha. Os gritos de Ambrósio ecoaram bem alto na montanha. O demônio ascendeu rapidamente.

Quando atingiu uma altura imensa, largou a sua vítima. O monge, abandonado no ar, caiu sobre a ponta alongada de uma rocha. Rebolou de precipício em precipício, até que, rebentado e mutilado, caiu à beira de um rio.

A vida ainda não se havia extinguido no seu corpo dilacerado. Em vão, intentava levantar-se, mas os seus membros — desarticulados e partidos — recusavam-se a fazê-lo.

O Sol acabava de surgir no horizonte. Prontamente, os seus raios ardentes incidiram de chofre sobre a cabeça do pecador moribundo.

Milhões de insetos, despertados pelo calor, vieram sugar o sangue que escorria das suas feridas. Não podia mover-se para afastá-los. Eles clamavam por suas feridas, fizeram-lhe novas, cobriram-no com a sua multidão e fizeram-no sofrer tantos tormentos quanto picadas.

As águias da montanha rasgaram-lhe a carne em pedaços. Aqueles bicos aduncos arrancaram-lhe as meninas dos olhos.

Devorado por uma sede ardente, ouvia o murmúrio das águas que corriam ao seu lado, mas não conseguia arrastar-se até ao rio.  Estava cego, furioso, desesperado, a expelir do peito toda aquela sua raiva por meio execrações e blasfêmias, com as quais amaldiçoava a própria existência.

 Todavia, temendo a morte, que o entregaria a tormentos ainda maiores, definhou durante seis dias inteiros. No sétimo dia, ergueu-se uma tempestade. Os ventos furiosos sacudiram os rochedos e derrubaram as florestas. O céu cobriu-se de nuvens ardentes; torrentes de chuva inundaram a terra; o rio transbordou, traspassando as próprias margens; as ondas chegaram ao local onde se encontrava Ambrósio e o seu curso levou o cadáver do monge infeliz na direção do oceano.

 

Fonte:  Le triple vocabulaire infenal, Paris, 1847.

Narrativa baseada na narrativa gótica The Monk, a Romance, do escritor inglês Mathew Gregory Lewis (1775 -1818), de 1796. 


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