A VIRGEM ESFOLADA - Narrativa Clássica Verídica de Horror - Francisco Javier Clavijero


 

A VIRGEM ESFOLADA

Francisco Javier Clavijero

(1731 – 1787)

 

Em honra a Huitzilopochtli — pretensa divindade —, fez-se, naqueles tempos, um medonho sacrifício, que não pode ser contado sem que se suscite o horror.

Enviaram embaixadores ao rei de Colhuacan, suplicando-lhe que lhes dessem uma de suas filhas para consagrá-la mãe de seu deus protetor, asseverando-lhe que esta era a ordem expressa daquele deus para exaltá-la a tão grande honra.

O régulo, embriagado da glória que se anunciava — a de ter uma filha deificada ou intimidado pela desgraça que lhe recairia, se se recusasse a obedecer à ordem de um deus —, anuiu para com todos os pedidos que lhe foram feitos, principalmente por não poder suspeitar o que lhe iria acontecer.

Os mexicanos[1] conduziram com grande júbilo aquela jovem donzela à sua cidade.  Todavia, mal lá chegaram, mandou o demônio — como dizem os historiadores — que fosse a jovem sacarificada e, depois de morta, esfolada, determinando que a sua pele servisse de vestimenta a algum dos jovens mais valentes da nação.




Fosse isto uma ordem do demônio ou — o que é mais verossímil — um cruel engodo dos bárbaros sacerdotes, tudo foi executado conforme ordenado.

O régulo, convidado pelos mexicanos a assistir à apoteose da filha, veio a ser um dos espectadores daquele solene ato religioso e um dos adoradores da nova deidade. Foi ele introduzido no santuário onde, ao lado do ídolo, empertigava-se o jovem vestido com a ensanguentada pele da vítima. Mas a escuridão do ambiente não lhe permitia ver o que era aquilo.  Puseram em sua mão um turíbulo e um pouco de resina para que o culto tivesse início. Mas, tendo visto, à luz da chama que o incenso irradiava, aquele terrível espetáculo que se desenhava aos seus olhos, as suas entranhas contorceram-se de dor.  Arrebatado por uma comoção violenta, saiu gritando como um louco e conclamando os seus súditos à vingança por tão bárbaro atentado. A sua gente, contudo, não se atreveu a empreendê-la, pois infalivelmente seriam oprimidos pela multidão.

Assim, voltou o pai, desconsolado, à sua terra e chorou aquela desgraça pelo resto de sua vida.

 

Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução ao espanhol de Francisco Pablo Vázquez (1769 – 1847).



[1] O autor refere-se aos antigos ameríndios fixados no cerne do império asteca, não à gente do país norte-americano.

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