CAVE CANEM - Conto de Terror - Mariana Paz
CAVE CANEM
Mariana Paz
Vinte e uma horas em ponto. Melina se ajeitava
em frente ao espelho de seu quarto finalizando os últimos retoques da maquiagem
antes de pegar sua bolsa e sair do cômodo para se despedir de sua mãe.
—
Olha, cuidado hein? Nem queria que tu saísses hoje, ainda mais pra uma festa,
pressentimento de mãe é foda! Não tá
muito curto esse vestido, Mel?
—
Relaxa, mãe, eu gosto assim. Vai ser só uma festinha na casa da Isa, okay? Nada
demais, nem demoro muito. – A jovem revirou os olhos desaprovando o cuidado
excessivo da mãe e se dirigiu até a avó que se encontrava sentada em frente à
janela que dava para a rua, a senhora de mais de 80 anos não estava mais lúcida
e sequer se movia de sua posição na cadeira de balanço tão velha quanto ela.
—Tchau,
vó, mais tarde eu volto. — A senhora apenas deu um olhar para Mel, um olhar
intenso que transmitia preocupação, talvez quisesse lhe falar algo, porém a
língua se encontrava dormente há muitos anos. Desde então a matriarca da
família só balbuciava palavras ininteligíveis e ficava com seu olhar fixo para
o que podia se ver das torres do Palacete Bolonha.
Logo,
um barulho de buzina foi ouvido e Melina saiu de casa apressada, entrando no
carro de seus amigos.
Bebidas.
Pegação.
Telefone
descarregado.
Bêbados
demais para dirigir.
“Deixa, eu vou andando.”
Três
da manhã é sempre um horário soturno de se andar por Belém, as ruas da cidade
não oferecem segurança nenhuma para quem se aventura a caminhar por elas, os
antigos diziam que essa era a “hora da visagem” palavra que, aqui, significa
assombração.
O
barulho de salto alto ecoava na rua assustadoramente silenciosa, Melina, andava
rapidamente, querendo chegar em sua casa, o único motivo de a jovem estar
correndo risco na rua era seu celular que havia morrido bem na hora de pedir o
carro de aplicativo e seus amigos, esses não estavam em condição nenhuma para
dirigir e como a garota morava a duas quadras dali pensou que se andasse rápido
o suficiente não correria perigo.
—
Merda! — Um passo em falso foi o suficiente para o salto alto prender em um
pequeno buraco da calçada e fazer a garota cair de joelhos no chão. A morena se
levantou rapidamente ignorando os machucados e tentando agir como se nada
tivesse acontecido, depois desse infeliz incidente ela resolveu retirar os
sapatos e seguir andando descalça, assim evitaria novas quedas.
—
Precisa de ajuda, gatinha?
—
O que tu quer andando tão tarde na rua, hein?
—
Essa deve “tá”perdida!
O
coração da jovem deu um salto ao ouvir vozes masculinas atrás dela, o que tanto
temia estava acontecendo nesse exato instante, seu corpo queria congelar, mas
com uma força quase sobrenatural seus pés continuaram a caminhar.
“Não olha pra trás, só segue teu
caminho, quem sabe eles não vão embora se eu ignorar, né?”
Ela
tentava encontrar conforto em sua mente, mas à medida que as sombras atrás dela
iam se aproximando, sua garganta ia fechando com uma sensação de engasgo, seu
coração batia com força dentro da caixa torácica e suas mãos suavam loucamente,
fazendo com que os sapatos, que ela segurava, escorregassem por elas. O pânico
era latente.
–
“Tamo falando” contigo, vadia. Volta aqui!
Melina
agora passava pela frente do Palacete Bolonha, a apenas um quarteirão de sua
casa. Seu corpo frio como gelo, o desespero quase palpável.
—
Finalmente uma diversão, fazia tempo que uma novinha dessas não aparecia pra
gente, eu vou primeiro, adoro quando elas gritam pra parar. — Em uma rápida olhada pra trás ela viu um
dos caras segurando seu membro por cima da calça e o apertando, uma ânsia de
vômito se fez presente só de pensar que aqueles nojentos estavam excitados com
seu desamparo.
“Socorro, socorro, eu não posso
morrer aqui, meu Deus, como minha família vai me encontrar?”
—
Não dá pra escapar sua putinha, ou tu fica quieta aí ou nós vamo partir pra
ignorância!
As
vozes se aproximavam cada vez mais, juntamente com o barulho de passos pesados.
Com a respiração entrecortada a morena encostou na parede do Palacete na
esperança de que um milagre acontecesse ali e ela ficasse invisível aos olhos
de seus predadores. Uma corrente de vento se fez presente naquele instante e os
ouvidos da jovem captaram um som agudo de ferro se arrastando.
O
portão havia se aberto, não todo, porém o suficiente para a figura esguia da
garota passar por ele. Ignorando os machucados em seu joelho, Melina se abaixou,
engatinhando no chão devagar, tentando não fazer barulho e no momento certo
deslizou para dentro do Palacete, ficando encolhida em um dos primeiros degraus
da escada onde só dava pra ver as sombras dos canalhas que se aproximavam como
cobras prontas pra dar seu bote.
Os
segundos pareciam horas para a jovem ali escondida, lágrimas grossas escorriam
por seu rosto e suas esperanças de ser salva já estavam se esgotando, seria
violada e morta ali mesmo, o sentimento de impotência era crescente em seu
interior, junto com uma raiva em seu âmago que a fazia desejar a morte de cada
um desses desgraçados!
Subitamente
um barulho foi ouvido ecoando pelo local, um rosnado bestial que fazia qualquer
ser minimamente humano paralisar de medo, menos Melina, naquele momento seu
choro cessou e ao invés de medo veio uma estranha sensação de amparo naquele
lugar.
Um
vulto gigante passou pela jovem na velocidade de uma bala de revólver, os
homens que já estavam chegando perigosamente perto do Palacete sentiram um
vento frio lhes atravessar, seguido de um arrepio na espinha, os três
paralisaram no lugar impossibilitados de se mexer pelo medo latente que
sentiam.
Às
três e treze da manhã gritos estridentes foram ouvidos.
A
jovem escondida conseguiu espiar discretamente pela grade, e seu coração deu um
salto pelo horror que seus olhos estavam presenciando naquele momento:
O
vulto se tornava mais palpável assumindo a forma de um cachorro com um tamanho
descomunal, sua boca espumava, o rosnado ficando mais alto. O primeiro canalha
já se encontrava no chão com muito sangue escorrendo de seu pescoço dilacerado
pelas presas da besta, os dois restantes conseguiram correr.
O
cão tomou impulso com suas patas traseiras e saltou em cima de seus alvos sem o
menor esforço para pegá-los e cravar as presas em seus pescoços rasgando tudo o
que via pela frente. Um. Por. Vez.
Os
olhos de Melina se fecharam com força, mas ainda podia se ouvir os gritos
apavorados juntamente com os barulhos perturbadores de membros sendo arrancados
a dentadas e ossos se quebrando como se fossem apenas gravetos.
Momentos
depois a garota conseguiu se levantar e saiu devagar do Palacete tentando não
olhar para o que restou dos homens no asfalto coberto de sangue e pedaços
humanos, por um segundo ela até sentiu alívio, seus algozes não iriam mais
importunar nem ela e nem ninguém, e então correu por um quarteirão inteiro até
chegar em sua casa quase chorando de felicidade ao ver que finalmente estava no
calor de seu lar.
O
cansaço tomou conta de seu corpo, se jogou no sofá ao lado da avó que
continuava lá imóvel, Melina não acreditava no que seus olhos tinham
presenciado naquela noite, não queria acreditar, quem iria acreditar? Era tudo
uma alucinação criada pelo pânico… Não é?
–
Cave Canem. Cave Canem. Cave Canem. – A velha repetia essas palavras com a voz
rouca e grave olhando fixamente para a neta ao seu lado, os olhos vazios. Sua
mão enrugada e trêmula se erguendo para fazer o sinal da cruz no peito da
garota e dar um sorriso com os poucos dentes que lhe restavam na boca, a jovem
se assustou encarando a avó, sua respiração ficou ofegante, outro arrepio
percorreu sua espinha com um terror puro após perceber que nada havia sido
criação de sua cabeça.
Por
aquele resto de noite o Cão voltava a ser um mosaico no piso do Palacete
Bolonha e descansava com a sensação de dever cumprido, satisfeito por seu
trabalho como vigilante.
Cuidado
com o cão.
Parabéns!!! Muito bom 👏👏👏👏
ResponderExcluirAmei parabéns 👏
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