O FORNO DAS BRUXAS - Narrativa Clássica Lendária Sobrenatural - Manuel Chaves Rey
O FORNO DAS
BRUXAS
Manuel Chaves Rey
(1870 – 1914)
Tradução de Paulo Soriano
A
rua — que hoje tem o nome do exímio poeta e douto genealogista Dom Gonzalo
Argote de Molina — foi, outrora, uma das vias mais irregulares da cidade, onde
havia, entre alguns bons edifícios, vários casebres que serviam de refúgio a
pessoas de fama pouco invejável e costumes não muito dignos de imitar-se. Diz a
tradição que, num desses casebres — o mais sujo e abandonado de todos —, vivia,
nos finais do século XV, uma certa anciã, considerada pelo povo mulher
sobrenatural e extraordinária, com o seu ranço de feitiçaria.
Era
uma velha de miserável aspecto e horrível índole, mui dada a feitura de filtros
e beberagens, lançadora de cartas, adivinha e íntima amiga de todas as mulheres
da sua laia, com quem se reunia à noite, em cerimônias misteriosas, que davam
muito que falar aos moradores do bairro.
Tinha
a bruxa um filho, sabe Deus de quem. Era um rapagão rude e incrédulo,
espadachim e brigão, que a ajudava nas suas ridículas tarefas. Frequentemente, o
jovem causava grandes escândalos sempre que, de madrugada, voltava à casa para
deitar-se, acompanhado de meretrizes e pícaros, com os quais levava uma vida
ociosa e degradada.
Certa
noite, ao chegar — por acaso, sozinho — embriagado ao casebre, encontrou a
porta trancada. Por mais que batesse, não conseguia abri-la, pois sua mãe e as
outras bruxas — que então se recolhiam num porão, absorvidas em suas práticas
de feitiçaria — não ouviram as batidas, os gritos e palavrões do rapagão.
Enfadado—
e mal conseguindo manter-se de pé, devido ao muito mosto que havia bebido —, por
falta de outro lugar mais adequado para passar o restante da noite, que era
fria e desagradável, o mocetão meteu-se num grande forno, situado no lado de
fora da casa. A velha costumava acendê-lo de manhã, para assar os pães destinado
os vizinhos. Estes, em retribuição a esse serviço, pagavam à bruxa alguns
maravedis[1], cujo
montante não é especificado pela tradição.
Mal
entrou o grosseirão no forno, caiu no sono. E tão pesado e profundo era o sono
que, mesmo depois de nascido Sol, continuou o rapaz a ressonar sobre os tijolos
como se estivesse numa cama de penas macias.
E,
então, aconteceu que, chegada a hora em que a horrível bruxa costumava acender
o fogo, enquanto atirava às chamas os troncos secos, ouviu que do cerne do
forno elevaram-se gritos: alguém implorava por socorro. Reconhecendo, pela voz,
que quem gritava era o próprio filho, desesperada por não poder salvá-lo, e
depois inúteis esforços, a bruxa caiu no chão, de joelhos, e, com as mãos
cruzadas, rezou pressurosamente todas as orações que lhe vieram à memória.
Acorreram
ao local várias pessoas, mas nenhuma delas conseguiu conter as chamas, que
rapidamente assumiram as maiores proporções, fazendo ver — a quem quisesse —que
aquele infortúnio não passava de um castigo providencial, em retribuição à impiedade
do filho e à feitiçaria da mãe.
Mas
eis que, quanto mais perigosa se fazia a situação, e quando ninguém mais podia
aproximar-se do forno — por causa da intensidade do fogo, que ameaçava destruir
a casa —, passou pela rua um frade da ordem de S. Francisco, chamado frei Diego
de Alcalá, homem muito respeitado pela plebe e a quem eram atribuídos alguns
milagres.
Viu
o frei que aquela desgraça podia ser remediada e, compadecendo-se das
lamentações da velha e dos gritos do moço grosseirão, correu a rezar, com
fervor, um par de Salve Rainhas à Virgem de Antígua. Então, as chamas
apagaram-se instantaneamente e o rapaz saiu do forno sem a menor queimadura.
Por
conta do milagre, a velha abandonou as suas beberagens, os seus filtros e as
suas feitiçarias, tornando-se fervorosamente devota; quanto ao filho, este seguiu
o bom caminho, acabando por se tornar prior de um convento franciscano em
Granada.
Esta
é a tradição que deu origem à antiga e duradoura denominação do logradouro, que
hoje ostenta o ilustre nome de Argote de Molina: Rua do Forno da Bruxas. Não me é,
contudo, desconhecida a origem que, com boas provas, outros autores lhe
atribuem, afirmando que ali viviam duas irmãs que tinham um forno, no qual
faziam bolos ao estilo da cidade de Bruges.
Fonte: Manuel Chaves
Rey: Páginas Sevillanas, Sevilha, Imprenta de E. Rasco, 1894, apud
sítio “Descubre Leyendas”, Universidad Complutense de Madrid (https://www.descubreleyendas.es).
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