A CASA MAL-ASSOMBRADA - Conto Clássico Sobrenatural - Pu Songling

 


A CASA MAL-ASSOMBRADA

Pu Songling

(1640 – 1715)

 

O Sr. Li de Changshan, sobrinho de Li Huaxi, presidente do Conselho de Justiça, era dono uma casa mal-assombrada.

Certo dia, ele viu em sua varanda um longo banco, rosa-carne, muito liso e bem-acabado. Ele não se lembrava de possuir tal banco, e foi até ele e tocou-o, deixando sua mão correr ao longo de suas curvas. A coisa realmente parecia macia, como carne. Então, afastou-se, em estado de choque e repulsa.  

Havia dado alguns passos, quando olhou para trás e viu o banco mover-se sobre seus quatro pés e desaparecer, à medida que se fundia à parede. Em seguida, viu um longo cajado de madeira branca e brilhante encostado na parede. Ele o segurou. Era tão liso que escorregou por entre seus dedos, caindo ao chão, onde ficou a contorcer-se como uma cobra, até que também se recolheu à parede, onde desapareceu.

No décimo sétimo ano do reinado do imperador Kangxi[1], um erudito chamado Wang Junsheng fixou residência na casa do Sr. Li como tutor da família.

Certa noite, quando as lamparinas foram acesas, Wang deitou-se, ainda calçado, em seu sofá, quando, de repente, avistou um homem minúsculo, de cerca de seis polegadas de altura, que entrou na sala, deu uma volta e saiu novamente.

Pouco depois, o homúnculo retornou, arregando dois pequenos bancos, que colocou na sala. Eram minúsculos, como os brinquedos em miniatura que as crianças fazem com hastes de painço. Após outro curto intervalo, entraram mais dois homenzinhos, carregando um caixão de cerca de quatro polegadas de comprimento, e o puseram em cima dos dois banquinhos. Enquanto faziam isso, uma senhora entrou na sala, acompanhada por um grupo de criadas. Ela tinha as mesmas minúsculas proporções dos demais e estava vestida de luto, com uma corda de cânhamo amarrada na cintura e um lenço de algodão branco enrolado na cabeça. Ela segurava a manga de sua veste à junto à boca e soluçava lastimosamente, produzindo um ruído similar ao de uma mosca gigante.

O tutor Wang ficou ali por um bom tempo, observando tudo isso com os olhos semicerrados. Enquanto observava, seus cabelos se eriçaram e ele se sentiu envolvido por uma camada de frio, como se fosse coberto por uma manta de gelo. Por fim, ele deu um grande grito e saltou do sofá, na tentativa de fugir do quarto, mas, enquanto se evadia, tropeçou e caiu com estrondo no chão, e lá ficou como um destroço balbuciante, incapaz de se levantar.

A gente da casa ouviu o barulho e veio correndo, mas não viu nenhum sinal de qualquer presença estranha ou de algo fora do comum.

 

Versão em português de Paulo Soriano.



[1] C. de 1669.


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