CONTO DE NATAL - Conto de Terror - Celly Borges


 

CONTO DE NATAL

Celly Borges

Para Marcy Hoelscher

 

Naquele tempo, no bar, Lucas pediu um cálice de vinho. Não queria ficar sóbrio. Tinha que esquecer.

Esquecer que dali a menos de uma hora seria Natal. Adorava a data. Desde criança gostava quando a família se reunia em torno da mesa; apesar de serem muito pobres, sempre havia um pouco mais de comida para aquela ocasião tão especial. “Para tudo, dá-se um jeito”, dizia a mãe.

Mas era uma dessas festas que havia se tornado o terror da sua vida!

Marcy estava morta”.

A única irmã de Lucas. A prodigiosa Marcy. Claro! Todos a admiravam. Principalmente os pais.

“Quando ela nasceu, era considerada a criança mais perfeita. Porém, Marcy crescera. E parecia que apenas Lucas percebia em que ela tinha se transformado. Ele a repudiava.

Ah, como era terrível o efeito de estar no mesmo ambiente que ela, aquele ser repugnante. Lucas não sabia o que era, apenas sentia e sem entender como.”

Já eram considerados adultos, mas sentiam-se como crianças sob a enorme e iluminada árvore de Natal. Como era agradável aquela sensação de paz e harmonia. No fundo, tudo era falso. No entanto, a família se reunia uma única vez por ano. Agora todos trabalhavam e podiam comprar comidas melhores. Tudo muito gostoso e agradável.

“Marcy também estava lá. Os olhos de Lucas tentavam evitá-la, porém era quase impossível! Ela atraia o olhar de todos.

Ele sabia o seu segredo!

E ela devia morrer.

Que criatura perfeita! Que família perfeita! E em todo Natal, em qualquer casa, sempre há o momento das recordações. E naquela família não era diferente.

Enquanto comentavam, cada um seu momento especial, Lucas se perdia em seus devaneios. Lembrava quando Marcy estava na escola, como, de repente, todos ignoravam a presença dele e percebiam somente ela.

Um dia ele entrou no quarto da irmã e a viu chorando muito, sem entender o motivo; perguntou a ela, mas Marcy se esquivou e nunca respondeu. Ele olhou num canto e viu muitas velas acesas, derretendo e espalhando a parafina por todo o chão. Tudo muito estranho. O pior estava por vir. A partir daquele momento ela não falava nada, com ninguém, além do necessário. Tornou-se insuportável sua presença.

Então Lucas teve certeza: ela tinha feito um pacto.

De repente voltou para aquele dia de Natal. Lá estava Marcy, do outro lado da mesa, o rosto sem expressão.”

Percebeu que estavam fechando o bar, era melhor sair antes que o trancassem ali. O que não seria nada mau. Andou sem perceber aonde iria, seus passos o guiavam por um caminho antigo, o de sua casa. Parou em frente à janela, sem coragem para entrar.

Tudo tão bonito. A árvore com as luzinhas piscando e refletindo em seu rosto. A mesa ainda mais provida de alimentos. Sentados estavam: o pai, a mãe e Marcy!

Fogos de artifício. Meia-noite.

Então entendeu tudo! Marcy estava chorando e tinha velas no quarto porque rezava pela alma do irmão que acabara de se suicidar no banheiro, cortando os pulsos.

Ela rezava enquanto a mãe limpava toda a sujeira, todo o sangue espalhado pelo chão.

Ela rezava porque era boa.

Era véspera de Natal.

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