VIOLAÇÃO TUMULAR PUNIDA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Anônimo do séc. XIV


 

VIOLAÇÃO TUMULAR PUNIDA

Anônimo do séc. XIV

Tradução de Paulo Soriano

 

 

Quando soube que a filha de um dos líderes da cidade havia morrido e que, vestida com roupas muito preciosas, havia sido sepultada fora da cidade, o meu costume de fazer o mal levou-me a entrar em seu sepulcro, à noite, onde, tendo-a despido completamente, sem sequer perdoar a camisa, deixei-a tão nua como quando veio ao mundo.

Eu já me preparava para sair, quando ela se levantou, pegou a minha mão direita com a sua mão esquerda e disse-me:

—Ó mais perverso e vilão de todos os homens! Será possível que tenhas tido a ousadia de me pôr neste estado de nudez? Se a ciência dos juízos de Deus e da condenação eterna não vos infunde o medo, pelo menos deveríeis ter tido piedade de mim, depois de minha morte. Professando ser cristão, não tiveste vergonha em deixar nua, assim, uma mulher cristã?  Tu não veneravas o meu sexo — o sexo a que deves a tua vida? E não temias que, insultando-me assim, estiveste a insultar igualmente a tua mãe? Miserável! E mais miserável do que se pode dizer, pois, quando tiveres que comparecer perante o terrível de Jesus Cristo, qual a razão lhe poderás dar para o crime que acabas de cometer contra a minha pessoa? Nenhum estranho viu o meu rosto quando eu estava viva, mas, depois de morta, tu entraste no meu túmulo, despiste-me e olhaste para o meu corpo desnudo.

Esta visão e estas palavras encheram-me — disse o jovem — de um terror tão estranho que, tremendo e dominando pelo medo, mal pude dizer-lhe:

— Deixa-me ir, e jamais, em minha vida, farei novamente o que fiz agora.

Ela respondeu:

—Não será assim. Entraste no meu sepulcro quando quiseste, mas não sairás dele quando quiseres: será ele comum a nós dois, e não imagines que morrerás aqui nesta mesma hora. Serás, em meu túmulo, atormentado por vários dias e, depois, entregarás miseravelmente a tua alma infeliz, que não temeste perder por um pecado tão detestável.

Então, redobrando as minhas orações e acompanhando-as de lágrimas, para que ela me deixasse ir, supliquei-lhe, por Deus Todo-Poderoso, que tivesse compaixão, e prometi-lhe, com um juramento, que nunca mais me aconteceria cair em semelhantes faltas.

Abatida por tantas orações, lágrimas e suspiros, F. Tifan respondeu-me:

— Se queres salvar a tua vida e livrar-te de tal infortúnio, promete-me que, se te deixar ir, não só renunciarás a estas ações abomináveis, como também renunciarás ao mundo; a partir de agora, farás de ti uma pessoa solitária, para servir Jesus Cristo e penitenciar-te pelos teus crimes.

Jurei-lhe nestes termos:

—Prometo por Deus, a quem devo a minha alma, que, para cumprir o que acabas de me ordenar, sequer regressarei à minha casa, senão irei imediatamente a um mosteiro.

Então ela me disse:

—Veste-me como eu estava antes.

Tendo eu feito isto, ela voltou ao estado em que estivera antes e regressou ao seu repouso.

Quanto a mim, cumpri fielmente a minha promessa.

 

Texto de La Vie des Pères du Désert, apud Simon François Blocquel, dito Frinellan, Fonte: Le Triple Vocabulaire Infenal, Paris, 1847. Paris, 1847.

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