A ACUSAÇÃO - Conto Clássico Sobrenatural - Ji Yun
A ACUSAÇÃO
Ji Yun
(1724 – 1805)
Era
ele um médico honesto.
Certa
noite, uma senhora procurou-o, trazendo consigo um par de grampos de ouro, querendo
comprar-lhe um abortivo.
Horrorizado,
o médico abruptamente recusou-se a atendê-la.
Na
noite seguinte, quando a mesma senhora lhe trouxe mais duas bugigangas peroladas,
o médico ficou ainda mais horrorizado e a expulsou.
Seis
ou sete meses depois, o médico sonhou que era levado perante o Juiz do Inferno
sob a acusação de homicídio culposo.
Tendo
chegado ao tribunal, viu uma mulher desgrenhada, com um laço rubro bem atado ao
pescoço. Ela chorava, acusando-o de ter-se recusado a fornecer-lhe remédios.
—
A medicina é para salvar vidas — retrucou o médico. — Como eu poderia matar uma
criança, em troca de pagamento? Você destruiu a si mesma, cometendo adultério.
O que isso tem a ver comigo?
—
Quando eu implorei pelo abortivo — respondeu a mulher —, a criatura em meu
ventre ainda não estava formada. Se o senhor tivesse me ajudado, livrando-me
dela, eu não teria morrido. O senhor teria destruído, apenas, um insignificante
coágulo de sangue, salvando a vida de uma mulher. Não tendo o abortivo, tive
que dar à luz. Após o parto, estrangulei a criança; depois, não vi outra saída
senão enforcar-me. Logo, em vez de salvar uma vida, o senhor destruiu duas
delas. Quem mais eu devo culpar, senão ao senhor?
O
juiz suspirou e disse:
—
A senhora argumenta de acordo com circunstâncias reais; o médico, com os princípios
morais. Desde a dinastia Sung, muitos confucionistas têm insistido em
princípios ideais, sem levar em conta as circunstâncias concretas. Mas, aqui, o
médico não é o único infrator. Que o caso seja arquivado!
Quando
o juiz bateu o martelo, o médico, estremecido, acordou.
Versão em português de Paulo
Soriano.
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