A DÍVIDA PÓSTUMA - Narrativa Clássica Sobrenatrual - Catherine Crowe


 

A DÍVIDA PÓSTUMA

Catherine Crowe

(1803 – 1876)

Tradução de Paulo Soriano

 

O falecido Sr. L—— St. —— deixou este mundo com excelente reputação. Ao morrer, era o superintendente de uma instituição para assistência aos pobres em B——.

Seu filho herdou os seus bens e, em reconhecimento aos fiéis serviços da antiga governanta do pai falecido, ele a recebeu em sua família e a estabeleceu em uma casa de campo que integrava a sua herança, a poucos quilômetros de B——.

Estava a governanta ali recém-instalada, quando foi acordada no meio da noite. Embora não soubesse explicar o que via, contemplou um homem alto, de abatida fisionomia, que se lhe tornou visível através de uma luz que parecia emanar da própria aparição.


 


 

A senhora puxou a roupa de cama sobre a cabeça; mas, como esta aparição lhe aparecia repetidamente, ficou tão alarmada que a mencionou a seu patrão, implorando permissão para renunciar à sua posição.

Ele, no entanto, riu dela — disse-lhe que devia ser tudo imaginação — e prometeu dormir no quarto contíguo, para que ela pudesse chamá-lo sempre que esse terror a dominasse.

Assim foi feito.  Mas, quando o espectro voltou, a senhora estava tão oprimida pelo horror que achou impossível erguer a voz.  O patrão, então, a aconselhou a investigar a razão daquelas visitas.

Eis o que ela fez.  Tendo o espectro acenado para que o seguisse, a mulher, depois de muito hesitar, concordou. Em seguida, o fantasma desceu alguns degraus até uma passagem, onde apontou para um armário escondido. A mulher entendeu, pelos sinais que a aparição lhe fazia, que ela deveria abri-lo. Ela fez menção de que não tinha chave. Aparição descreveu-lhe, em palavras suficientemente articuladas, onde a senhora encontraria uma chave.

A mulher obteve a chave e, ao abrir o armário, encontrou um pequeno embrulho. Desejava aquele espírito que ela o encaminhasse ao presidente da instituição para pobres, em B——, com condição de que o conteúdo fosse aplicado em benefício dos internos.  O seu gesto implicava uma restituição e aquela devolução era o único meio pelo qual poderia obter descanso e paz no outro mundo.

Tendo mencionado essas circunstâncias patrão, este a orientou a fazer o que desejasse. A governanta levou o pacote ao presidente da instituição e o entregou. Não esclareceu, todavia, por que meio o pacote havia chegado a suas mãos. Seu nome foi registrado nos livros e ela foi dispensada.

Mas, depois que a mulher se foi, descobriram, para sua surpresa, que o pacote continha um pedido de trinta mil florins. Era o montante correspondente à quantia que falecido Sr. St. —— havia defraudado da instituição e convertido em benefício próprio. 

O Sr. St. —— Jr. foi, então, chamado a pagar a quantia desviada, o que ele se recusou a fazer. O caso foi, finalmente, encaminhado às autoridades. A governanta acabou presa. Ela e o patrão foram confrontados no tribunal, nos quais a senhora detalhou as circunstâncias pelas quais o pacote chegara ao seu poder.

O Sr. St. —— Jr.  negou a possibilidade de tal coisa ter ocorrido, declarando que tudo não passava, a final de contas, de uma invenção daquela senhora.

 De repente, enquanto fazia essa defesa, o Sr. St. ——Jr sentiu um golpe no ombro, que o fez sobressaltar-se e olhar em volta, e no mesmo instante a governanta exclamou:

—Veja! Lá está ele, agora! Lá está o fantasma!

Ninguém percebeu o espectro, salvo a própria mulher e o Sr. St. —— Jr. Mas todos os presentes ouviram as seguintes palavras:

— Meu filho, repare a injustiça que cometi para que eu possa ficar em paz.

A quantia foi paga; e o Sr. St. —— Jr. ficou tão afetado por este doloroso incidente que foi acometido por uma doença grave, da qual se recuperou com dificuldade.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A DAMA DA MORTALHA - Conto de Terror - Paulo Soriano

FECHADO NA CATACUMBA - Conto Clássico de Terror - H. P. Lovecraft