A MISSA DOS MORTOS - Narrativa Clássica Sobrenatural - Alphonse Chabot
A MISSA DOS
MORTOS
Alphonse Chabot
(1841-1920)
Tradução de Paulo Soriano
Foi
na época do rei São Luís, uma era abençoada, em que a fé e a piedade reinavam a
França.
A
missa da véspera de Natal acabava de terminar na igreja da abadia de São
Vicente, em Le Mans. Todos os monges se retiraram e o abade voltou para sua
cela. Vergado pela idade, ele prontamente se estendeu em seu humilde catre. Um
sono pesado logo dominou o seu espírito. De repente, um barulho estranho fez a
porta da cela ressoar. O abade, despertando num sobressalto, se levanta. O
ruído é renovado, mais violento, mais fantástico. O monge corre em direção à
porta e abre-a um pouquinho.
Um
espetáculo aterrorizante se apresenta aos seus olhos.
Uma
multidão de entidades, vestidas de mortalhas brancas, está ali, no longo
corredor. Todos carregam uma tocha acesa. Um terrível silêncio paira sobre aquela
multidão.
Tomado
de medo, o abade, temendo alguma obra diabólica, faz um grande sinal da cruz —
primeiro, sobre si mesmo; depois, sobre toda a multidão. Então, aquelas
entidades se curvam e repetem aquele sacro sinal. Para fazê-lo, eles puxam a
mortalha e o abade vê que são esqueletos ressequidos. Um brilho — ígneo e sombrio
— junge-se àqueles ossos secos e os esqueletos parecem sofrer deveras com aquelas
chamas.
O
monge — tranquilizado pelo sinal da cruz, tão piedosamente feito por aqueles
fantasmas — pergunta-lhes:
—Quem
sois vós? O que quereis?
Nenhuma
resposta.
Os
dois esqueletos mais próximos agarram-no pelo escapulário e arrastam-no atrás
de si. Uma procissão se forma atrás deles. Rumam todos para a igreja.
Logo
o altar está preparado; alguns espectros acendem as velas; outros, arranjam os
ornamentos sagrados. O abade entende que estes seres querem testemunhar o
sacrifício divino no altar. Então, veste a casula e inicia a Santa Missa. Vozes
lastimosas respondem aos versos que o monge recita. Os esqueletos ajoelham-se
piedosamente no coro e na nave; a igreja está repleta deles.
O
silêncio é quebrado apenas pela voz do ministro de Deus e pelas orações dos
presentes. Nos Fratres Orate[1],
quando o abade se volta, vê que os esqueletos abandonaram as mortalhas. Chegou
o momento da consagração; à voz do seu sacerdote, Jesus desce invisivelmente
sobre o altar. Então os gemidos cessam e uma harmonia celestial enche a igreja.
Um sublime canto de triunfo e libertação é ouvido ao final da missa. Quando o
monge se vira, na Ite missa est[2],
percebe que todos os esqueletos já haviam desaparecido. Uma nuvem luminosa
subindo em direção ao céu, o eco enfraquecido de hinos misteriosos, é tudo o
que resta do espetáculo sublime que o monge acabara de testemunhar.
O
abade regressa à sua cela profundamente emocionado — feliz, sobretudo, por ter
sido, nestas circunstâncias, instrumento da misericórdia divina.
Desde
então, todos os anos, na abadia de São Vicente, é costume celebrar, depois do
ofício solene da noite de Natal, uma missa para os necessitados do Purgatório.
podia ser menor
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