O ESPELHO DE VENTO E LUA - Conto Clássico de Terror - Cao Xueqin


 

O ESPELHO DE VENTO E LUA

Cao Xueqin

(1715 – 1763)

 

Em um ano, os padecimentos de Kia Yui se agravaram. A imagem da inacessível senhora Fênix consumia os seus dias; os pesadelos e a insônia destruíam as suas noites.

Certa tarde, um mendigo taoísta pedia esmola na rua, proclamando que podia curar todas as enfermidades da alma. Kia Yui mandou que o chamassem. O mendigo disse-lhe:

— Com tratamento comum, não é possível curar a sua enfermidade. Mas trago comigo um tesouro que lhe trará a cura, acaso siga rigorosamente as minhas instruções.

Tirou de sua ampla manga um espelho polido de ambos os lados. Havia no espelho a seguinte inscrição: Espelho Precioso de Vento e Lua.

— Este espelho — prosseguiu o mendigo — provém do palácio da Fada do Terrível Despertar e tem a virtude de curar as doenças causadas pelos pensamentos impuros. Mas nunca olhe o lado de trás. Olhe apenas o anverso. Amanhã eu voltarei para buscar o espelho e felicitá-lo pela recuperação.

O mendigo partiu sem aceitar as moedas que lhe foram ofertadas.

Kia Yui segurou o espelho e o olhou conforme as instruções recebidas. Mas lançou-o fora, horrorizado. O espelho exibia o reflexo de uma caveira.


 


 

Kia Yui amaldiçoou o mendigo. Irritado, quis ver o reverso, desobedecendo a advertência do esmoler. Empunhou o espelho e olhou. Do fundo da lâmina, a senhora Fênix, vestida com esplendor, acenava para ele. Kia Yui se sentiu irresistivelmente atraído pela figura que o chamava do fundo do espelho. Então, transpondo o metal, satisfez o seu desejo lascivo. Depois, a senhora Fênix o acompanhou até a saída. Quando Kia Yui despertou, o espelho estava ao contrário e exibia novamente a caveira. Esgotado pelos prazeres extraídos do outro lado do espelho, não resistiu à tentação de olhá-lo novamente. Outra vez a senhora fênix acenou para ele e pela segunda vez Kia Yui penetrou no espelho e repetiu o ato de amor. Isto tornou a acontecer várias vezes.  Na última vez, dois homens prenderam Kia Yui quando este intentava sair e o acorrentaram.

— Irei com vocês — murmurou Kia Yui. — Mas me permitam levar comigo o espelho.

Estas foram as suas últimas palavras. Encontraram-no morto sobre o lençol manchado.

 

Versão em português de Paulo Soriano.

 

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