A CURVA DO LAGO - Conto de Terror - Gui Rhabelo   


 

A CURVA DO LAGO

Gui Rhabelo

  

O Opala Diplomata 87 estava sintonizado na rádio 96,6 FM. A rádio mais ouvida de Salém, inclusive pelos caminhoneiros que cruzavam as estradas que cortavam os limites da cidade. O relógio digital do motorista marcava 23:50 h. O locutor falava sobre lendas urbanas. Fazia um alerta para os caminhoneiros tomarem cuidado com a mulher de branco que sempre pedia carona. O sorriso de incredulidade do motorista não era afetado pela crendice popular. 

Permaneceu acelerando suavemente seu Opala Diplomata marrom. Um belo carro. Uma joia rara. O interior em couro preto dava um toque especial para o belo carro. O motorista baixou os olhos em direção ao seu rádio a fim de mudar de estação. Não demorou nem dez segundos e encontrou outra estação, menos melancólica. Quando levantou os olhos novamente para fixar a estrada, freou bruscamente o carro, quase atropelou a jovem que estava com um pé no asfalto e outro no acostamento da pista. 

A moça parecia possuir uma beleza que não era deste mundo, não precisava cantar para enfeitiçar, como faziam as sereias. Seu olhar melancólico e distante era suficiente. Seu braço direito pedia carona. O motorista sorriu ao se lembrar do aviso dado pelo locutor, pensou que aquilo fosse algum trote. Não um trote perfeito, pois a moça trajava um vestido vermelho. Não vestia branco. 

Os cabelos loiros e a pele alva chegaram mais perto do carro quando o motorista buzinou para ela. Ao entrar no carro, um perfume de jasmim tomou conta do velho Opala Diplomata 87. Ela agradeceu a carona com voz suave e doce. O motorista pisou novamente no pedal direito e prosseguiu. Ela sorria sempre.  

Estava em uma festa, mas uns palhaços me deixaram aqui sozinha. Acredita? — Falava docemente para o motorista. 

Não acreditaria se fosse outra pessoa me contando – brincou. — Mora muito longe?   

Não, a algumas curvas daqui. — Ela olhava fixamente para a estrada. – A algumas curvas.   

O silêncio pairou sobre eles por alguns momentos. O vento frio invadia o carro. Eriçava o pelo da nuca de ambos. 

E você? Mora por aqui? —A jovem quebrou o silêncio, ainda focada na estrada. E nas curvas.   

 — Não e sim. — O motorista viu que ela não entendeu, apesar de nada ter perguntado. – Moro nas estradas, desde que me conheço. — Sorriu alegremente, tentando contagiar a moça que estava absorta em mundo no qual ele não tinha acesso. 

Acredita na história da mulher de branco? — perguntou para o motorista, uma pergunta crua, fria e cortante. – Acredita mesmo que ela está por aí? Em uma dessas curvas? — O motorista sentiu um calafrio e respondeu meneando a cabeça negativamente. 

O silêncio outra vez. Um corvo bateu no vidro da frente do carro. O barulho causou um susto na moça. Ela sinalizou que sua casa ficava a alguns metros depois da “curva do lago” que avistavam agora. 

Eu moro... – Ela perdeu a voz. Perdeu o sangue que corria nas veias. Tudo parou naqueles curtos segundos. O motorista não estava ali. Não mais. Olhou de volta para estrada e ali estava ele. Em pé... apontando para o lago que ficava em um precipício o lado da curva. A jovem do vestido vermelho não teve tempo de segurar o volante ou pisar no freio. Nem conseguiria. Carro e motorista eram um só. Ambos foram vítimas do destino. E da inveja e vingança. Anos atrás, o ex-namorado da esposa do motorista o jogou para fora da pista enquanto dirigia um caminhão. O jogou junto com sua filha para fora da curva. O carro se perdeu no abismo. Apenas o corpo dele foi achado. O carro e a filha, não. Desde então, o motorista e seu Opala Diplomata 87 surgiam na noite e desapareciam mais uma vez na “curva do lago”. Levava alguém para que sua filha não ficasse só. Ou para que a encontrasse. Mas era um mergulho sem volta. Um mergulho na morte. Uma morte silenciosa, sem pistas, uma morte não noticiada nos jornais. Apenas uma morte. Traiçoeira. 

Mais contos do autor: http://ocorvodesalem.wordpress.com/ 

  


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