O BAR NAS TABOCAS - Conto de Terror - João de Arlekinom
João de Arlekinom
É verdade que pouco se fala do bar que fica nas tabocas e de sua detestável e repugnante dona e também é verdade que se fala ainda menos das crianças que desaparecem em suas redondezas.
Deve-se primeiro falar da história da Velha, assim chamada por todos, pois era ela a dona do estabelecimento que ficava nas margens do rio Corda.
Estranhos, sujos e malignos são os acontecimentos que envolvem a vida da mulher, tão horríveis que deixariam até o mais valente vaqueiro com um temor indescritível na alma. Afinal, todos sabem que a coragem dos bravos pode muito pouco contra a malignidade dos mestres das artes místicas que possuem poderes para conjurar os demônios antigos.
O que se sabe sobre a Velha é que ela sempre esteve naquela cidade e isto era um fato popular. Pergunte ao mais velho ancião cordino e ele lhe dirá as lembranças mais antigas que sua memória consegue alcançar e pode ter certeza que ele falará daquela senhora que fica entre as tabocas. A dona do estabelecimento sempre fora a mesma, Laura Peixoto, este era seu nome. Até onde se sabe, ela morava sozinha em uma choupana decrépita no meio do mato e não tinha nenhum parente vivo, pelo que contavam. Diziam que ela veio na primeira caravana liderada pelo explorador e fundador da cidade, o cearense Manuel Melo Uchoa, o que, é claro, era um grande absurdo, pois tal acontecimento havia sido há mais de cem anos. Os sussurros, que um viajante poderia ouvir em Caxias, Grajaú e Imperatriz sobre a história da mulher, dizia que ela fora expulsa de um convento por praticar rituais estranhos, que não podem ser mencionados para não deixar os mais sensíveis perturbados.
A Velha possuía um colar de rubi que pendia do seu pescoço; diziam que o objeto continha poderes malignos capazes de hipnotizar aqueles que o olhassem por muito tempo e até mesmo, matar. Indagavam-na sobre suas origens e ela dava um sorriso asqueroso e maquiavélico.
“Vocês não lembram?” dizia, soltando uma gargalhada horrenda.
Os piores tipos de pessoas frequentavam o bar nas tabocas, dia e noite chegavam vindos dos lugares mais precários em moralidade. A dona servia uma boa cerveja, disso não tenha dúvidas, os pratos de acompanhamento eram muito saborosos pelo que diziam aqueles clientes tão duvidosos, suspeitos e pouco confiáveis.
Mas não é bom ficar ali na companhia de jagunços foragidos, velhos cangaceiros insurretos vindos dos distantes sertões, homens amaldiçoados e bruxas moribundas atrás de trocas para suas blasfemas criações.
“Me dê um coração de índio e te faço uma porção para conquistar a mulher que queres”, é o que as bruxas irão te propor.
Pessoas que cometeram atos abomináveis de se descrever acham seu refúgio ali e era comum a Velha fazer acordos com aqueles renegados; tais tratos são do desconhecimento geral, alguns tinham seus palpites do que poderia ser, mas boatos são boatos, e não devemos acreditar em tudo o que ouvimos, não é?
Na mitologia popular, a senhora Laura Peixoto se tornou uma velha bruxa e era de conhecimento de todos que ela fazia poções mágicas capazes de reviver os mortos e de matar os vivos… Diziam que ela gostava de oferecer doces às crianças que tomavam banho nos portos que ficavam perto do bar e, apesar da repugnância dos adultos, a mulher exercia uma atração nos pequeninos quase mágica, pois estas gostavam de conversar com a velha, apesar dos pais proibirem seus filhos de trocarem qualquer palavra com ela.
Porém, as crianças não davam ouvidos, pois, na inocência da infância, estavam indefesos contra as maldades dos maquiavélicos. Até mesmo os índios das aldeias vizinhas haviam proibido que seus filhos brincassem nos portos próximos ao bar da velha.
Foi quando as crianças começaram a sumir que a situação chegou ao ápice do horror: uma por uma, do dia para a noite, todas desapareceram. Houve desespero nas penumbras e podia-se ouvir o lamento das mães em toda Barra do Corda. Pais saíram às ruas procurando seus filhos, gritando seus nomes, mas nada acharam. Então todos acusaram a Velha, alguns até chegaram a dizer que ela raptou as crianças para fazer bruxarias profanas nos matagais, junto de seus renegados. Havia quem dizia que o correto era queimá-la, assim como os medievais faziam com suas bruxas.
O delegado João da Silva foi incumbido das investigações e quando efetuou uma batida no estabelecimento da Velha, junto de dez policiais, nada encontrou que falasse contra a detestável dona do estabelecimento. A Velha se divertia com tudo aquilo.
“O que foi delegado? Não achou o que queria? Ah pobres crianças, eu também estou muito preocupada com elas… espero que consiga achá-las.” Havia um sorriso maligno nos lábios da Velha. E os olhos… os olhos estavam faiscando como o inferno.
Fizeram buscas dentro da velha choupana, mas também não havia nada, exceto os estranhos artefatos artesanais pendurados nas paredes, janelas e portas. Eram feitos de penas e ossos; o delegado vendo tais estranhezas, não pôde deixar de sentir um calafrio percorrer o seu corpo.
“Onde está meu filho?” perguntavam ss mães, que choravam, pensando em suas crianças, que jamais voltarão aos seus lares.
Uma mulher foi à delegacia prestar depoimento. Seu nome era Maria Costa e disse que fora ao porto para lavar a roupa e no fim daquela tarde viu a Velha empurrando um carrinho de mão e dentro havia algo coberto por um lençol. Ela adentrou a mata ali perto e sumiu por algumas horas; quando voltou, estava com um ar de desconfiada olhando para os lados.
O delegado, achando tudo aquilo muito suspeito, resolveu investigar, agradeceu a ajuda da moça e prometeu que resolveria o caso. E quando a noite chegou, ele foi até o local, pois, enquanto a Velha estivesse dormindo, seria o melhor momento para investigar. Com o auxílio de uma lanterna, conseguiu encontrar a trilha nos matagais onde a mulher havia passado com o carrinho, se entranhou na mata alta e, depois de andar alguns metros, viu escondida entre algumas árvores uma pequena casa de madeira. Como aquela construção poderia estar ali? Junto com os outros oficiais, havia procurado por todo o perímetro de forma minuciosa; teriam, sem dúvidas, visto aquela construção, que ficava próxima da choupana.
Arrombou a porta e logo notou que o lugar servia de despensa, pois havia sacos de legumes pelo chão e garrafas de bebidas nas prateleiras, além de outras especiarias desconhecidas. Porém, o que mais chamou a atenção do delegado foram os grandes potes de vidro no fundo da casa, eram dez no total, do tamanho de barris de um metro e cinquenta de altura. Estavam cheios de um líquido verde-musgo, olhando com atenção percebeu que algo boiava ali dentro…
“O que fazes aqui Maldito?!”, disse uma voz estridente atrás dele.
Quando o delegado se virou assustado, ali na porta estava uma mulher vestida toda de negro.
“SEU MALDITO!”, gritava a Velha, que segurava um facão na mão esquerda.
Quando ela correu atrás dele com a arma na mão, pronta para desferir o golpe, o delegado puxou sua pistola e disparou, a Velha cambaleou e caiu para trás. Uma poça de sangue se formava ao redor do corpo. Quando o delegado chegou perto para vê-la, notou que a Velha ria… sim, ela ria alto, caçoava do daquele homem. E quando finalmente morreu, seu corpo começou a derreter: era um líquido preto que escorria pelo chão, deixando apenas a roupa e os ossos lambuzados do líquido putrefato. Aquilo fora o maior absurdo que o delegado já vira em toda sua vida; por um momento pensou se não era fantasia, mas o que restara do corpo estava ali na sua frente para provar a realidade de tamanha bizarrice.
Quando o delegado se recuperou do horror que acabara de presenciar, novamente se voltou para os grandes potes de vidro, olhou com atenção e foi então que infelizmente compreendeu. A maldita Velha bruxa havia posto as crianças em potes de conserva.
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