O LOBO DE VILA BELA - Conto de Terror - Mário Terrabatava


 

O LOBO DE VILA BELA

Mário Terrabatava



Jovens e viúvos eram eles. Assim, não demorou a que se casassem.

Olegário e Marina eram vítimas de tragédias.

O homem — alto e pálido como uma alma penada — chorara pouco a recente perda. Quase nada pranteara porque, em verdade, tinha olhos para outra mulher, uma cabocla recém-chegada à Vila Bela.

Dizia-se que a cabocla — que não era outra senão a pequena e tímida Marina — também perdera há pouco o marido, mas parecia conformada. Dizia-se, também, que o marido fora encontrado, todo esfacelado, à margem do Rio das Tabocas, lá para as bandas da Serra Preta.

O destino não fora tão diferente para Olegário. De sua mulher — de Lívia, a bela falecida — encontrara-se apenas o corpo, todo carcomido e infestado de mordidas lupinas. A cabeça desaparecera.

Era noite de Lua cheia. Marido e mulher voltavam de um velório. Seguiam, silenciosos, numa carroça puxada por uma velha e pacífica mula.

À frente da porteira fechada, a mula estacou. Olegário desceu. Esfregou as mãos suadas no terno de casimira roxa —que pertencera ao seu avô, e que só era usado naquelas fúnebres ocasiões — e avançou à porteira.

Espere um pouco — disse ele. — Esta cancela está emperrada. É difícil de abrir, esta danada.

Não se preocupe — respondeu Marina. — Estou apertada e preciso de um alívio.

Adentre um pouco a mata, mas tenha cuidado. Há jararacas por aqui.

Marina ergueu a saia escura, dum azul profundo, e buscou uma touceira. Olegário esforçou-se, jogando o ombro magro contra a trave da cancela.

De repente, veio um uivo.

Corra, Marina! — berrou o homem.

Um lobo imenso, descomunal, de olhos vermelhos como brasas, avançava para ele.

O homem mergulhou na mata, correndo como um lunático. Atrás de si vinha a fera, e o seu hálito quente, vaporoso, chegava às suas canelas. Desviando-se como podia, Olegário alcançou a margem do Rio Piranga. Mergulhou justamente quando a fera, estendendo as fuças nervosas, arrancava-lhe um naco das velhas calças roxas.

Quando alcançou a margem, viu que dois olhos de fogo, do outro lado do rio, fitavam-no avidamente. Mas a imensa fera, soltando um uivo terrível, cheio de ira e decepção, deu meia-volta e engolfou-se na mata.

Olegário subiu na mais alta e frondosa árvore do pequeno bosque e esperou o amanhecer. Depois, retornou à porteira e viu que a carroça não estava lá. Sentiu um alívio profundo, pois sabia que Marina voltara para casa.

Chegou ao sítio quinze minutos depois. Entrou na casa de alvenaria — herdada do avô — e foi ao quarto.

Marina dormia profundamente.

O seu coração, que antes saltava de alegria, quase parou. Um medo profundo — um pavor atroz — fez vibrar cada fibra de seu ser.

As unhas da mulher cravavam-se sobre um crânio esfacelado e afundavam na mutilação putrescente de quem um dia fora Lívia.

E, entre os dentes de sua amada, Olegário podia ver, a cintilar funebremente, algo tosco e esgarçado: um pedaço de tecido de casimira roxa.




Comentários

  1. Que plot twist foi esse, velho? Meu Deus, eu adorei (⁠☆⁠▽⁠☆⁠)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O GATO PRETO - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

BERENICE - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe