OS QUE RETORNARAM DA MORTE - Narrativa Clássica Sobrenatural - Plínio, o Velho
OS QUE RETORNARAM DA MORTE
Plínio, o Velho
(23 – 79)
Aviola, homem de categoria consular, voltou à vida quando estava na pira funerária; mas, devido à violência das chamas, nenhum socorro lhe pôde ser prestado, pelo que foi queimado vivo.
Diz-se que o mesmo aconteceu com L. Lamia, um homem de categoria pretoriana.
Messala, Rufus e muitos outros autores nos informam que C. Aelius Tubero, que ocupara o cargo de pretor, também foi resgatado da pira funerária.
Tal é, pois, a condição de nós, mortais: nascemos para essas e outras vicissitudes do destino. E tanto é assim que não podemos ter certeza de nada. Não, nem mesmo de que uma pessoa está realmente morta.
No tocante à alma do homem, descobrimos, entre outros casos, que a alma de Hermotinus de Clazomenae tinha o hábito de abandonar seu corpo e vagar por países distantes, de onde trazia numerosos relatos de várias coisas, que somente poderiam obtidos por quem lá estivesse presente. O seu corpo, entretanto, ficava aparentemente sem vida. No entanto, afinal, os seus inimigos — os Cantharidae, como eram chamados — queimaram-lhe o corpo, de modo que a alma, ao retornar, foi privada de seu invólucro.
Afirma-se também que, em Proconeso, a alma de Aristeas foi vista voando de sua boca, sob a forma de um corvo. Esta é, todavia, uma história fabulosa, que bem pode ser equiparada à que se segue. Conta-se que Epimênides de Cnossos, quando garoto, cansado do calor e das caminhadas, adormeceu em uma caverna, onde dormiu cinquenta e sete anos. Quando acordou, era como se aquele despertar tivesse acontecido no dia seguinte. Ele ficou, então, muito surpreso com as mudanças que viu em tudo ao seu redor. Depois depois disto, a velhice desmoronou sobre ele, acrescentando-lhe o número de dias correspondente aos anos em que permaneceu dormindo. Sua vida, porém, se prolongou até os cento e cinquenta e sete anos.
O sexo feminino parece mais propenso a esse estado mórbido, em razão do mau posicionamento do útero; mas, uma vez corrigida a disfunção, elas voltam imediatamente a si. O volume de Heráclides sobre este assunto, que é muito estimado entre os gregos, contém o relato de uma mulher que foi restaurada à vida depois de aparentemente morta por sete dias.
Informa-nos Varrão que, quando era um dos vinte comissários designados para supervisionar a divisão de glebas em Cápua, um homem, que já havia sido conduzido à pira funerária, voltou a pé do fórum à própria casa. Diz, igualmente, que algo semelhante ocorreu em Aquino. Afirma, também, que Corfídio, que era casado com a tia materna, voltou à vida depois que todas as suas exéquias já haviam sido arranjadas e que, posteriormente, ele compareceu ao funeral da pessoa que havia organizado o seu. Além disso, ele fornece outros maravilhosos relatos, que cabem examinados. Havia dois irmãos que eram membros da mesma ordem equestre. Sucede que testemunharam o mais velho dos irmãos dar o último suspiro. Quando o testamento deste foi aberto, verificou-se que ele havia designado o irmão mais novo como seu herdeiro, e este ordenou-lhe o funeral. Entrementes, aquele que se pensava estar morto, batendo palmas, chamou os criados, dizendo-lhes que vinha da casa de seu irmão mais novo e que este havia posto a filha sob os seus cuidados. Ademais, o irmão mencionara-lhe o local onde houvera secretamente enterrado algum ouro, solicitando, por fim, que os já realizados preparativos funerários fossem empregados em prol dele mesmo. Enquanto assim falava, os servos do irmão mais jovem chegaram pressurosos e informaram que ele havia falecido.
Ora, durante toda a nossa vida ouvimos continuamente previsões como esta. Todavia, não vale a pena coletá-los, porquanto são quase sempre falsos, conforme ilustraremos pelo seguinte exemplo notável.
Na guerra da Sicília, Gabieno, o mais audaz de todos os comandantes navais de César, foi feito prisioneiro por Sexto Pompeu, que ordenou que lhe cortassem a garganta. Feito isto, com a cabeça quase separada do corpo, permaneceu deitado, o dia inteiro, à beira-mar. Ao anoitecer, implorou, com gemidos e súplicas, à multidão que se reunira ao seu redor, que convencesse Pompeu a vir ter consigo, ou, então, que enviasse um de seus mais confidentes amigos, pois acabara de regressar dos umbrais inferiores e tinha notícias importantes a lhe participar. Pompeu, então, enviou vários de seus amigos, aos quais Gabieno declarou que a boa causa e os virtuosos partidários de Pompeu agradavam sobremodo as divindades subterrâneas e que, brevemente, o evento logo se revelaria como Pompeu desejava. Disse que havia sido ordenado a anunciar tais acontecimentos e que, como prova de sua veracidade, expiraria no exato momento em que tivesse cumprido a sua missão. E assim aconteceu de fato.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Henry Thomas Riley (1816 – 1878) e Johan Bostock (1773 – 1846).
Imagem: John Reinhard Weguelin (1849 –1927).
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