A PORTA DO DIABO DE NOTRE-DAME DE PARIS - Narrativa Lendária Sobrenatural - Petit Pierre

A PORTA DO DIABO DE NOTRE-DAME DE PARIS

Petit Pierre

(Séc. XIX)

Tradução de Paulo Soriano



No século XII ou XIII, vivia um artífice bastante inábil que andava de oficina em oficina, mas sem nunca obter o título de mestre. Um dia, laborando numa forja de um porto marinho, aconteceu que a soldadura de uma dessas peças de ferro falhou. Culparam-no. Os seus colegas deram-no um sova e, depois, seguiram a um cabaré.

O pobre artífice chorava num canto da oficina, quando viu um homem vestido de vermelho aproximar-se dele e perguntar-lhe a razão da sua dor.

Depois de ter explicado a sua desgraça, o homem de vermelho disse-lhe:

Não te preocupes. Volta a acender a forja. Soldaremos a âncora.

Trêmulo, o artífice obedeceu.

Quando os ferros já estavam a brilhar, juntou-os na bigorna, mas, ao erguer o martelo, faltou-lhe força, deixando a ferramenta escorregar.

O homem vermelho bateu, então, com o punho no ferro e a âncora ficou soldada. Depois, disse ao trabalhador:

Eu sou o Demônio. Se fizeres um pacto comigo, serás o serralheiro mais hábil de todos e poderás fazer qualquer trabalho que quiseres.

Sem aguardar, o diabo desapareceu, deixando o operário com duas moedas de ouro: eram as arras do pacto; ao mesmo tempo, o serralheiro adquiriu dois pequenos cornos na testa.

Quando foi juntar-se aos seus camaradas no cabaré, chamaram-no de louco e deram-lhe a alcunha de Biscornet1, que chegou até nós.

Desde então, tornou-se ele habilíssimo e produziu obras de serralharia de grande qualidade. Numa adversa situação, o homem vermelho apareceu uma segunda vez e, depois de tê-lo tirado do apuro, chamou-o para assinar o pacto que o cincularia a ele.

Biscornet entregou ao diabo a sua alma e prometeu-lhe o seu primeiro filho varão.

Algum tempo depois, é-lhe proposto o trabalho nas portas da igreja de Notre-Dame de Paris. Nenhum operário o quis fazer. Biscornet, contudo, aceitou-o. Cuidadosamente fechado na sua oficina, concluiu rapidamente o trabalho com a ajuda do Diabo. Numa só noite, colocaram as duas portas laterais: Biscornet, a porta Norte, através da qual se faz o serviço habitual; o Diabo, a porta Sul, que raramente é aberta e que, há trinta ou quarenta anos, ainda se chamava a Porta do Diabo.

Quanto à porta do meio, como está virada para o santuário e dá acesso à procissão do Santíssimo Sacramento, o Demônio não tinha o poder de abri-la.

É por isso que, segundo a lenda, o portal de Notre-Dame nunca foi concluído.

No entanto, o Demônio e Biscornet discutiam frequentemente. Biscornet não se queria casar, com medo de ter um filho e ter de entregá-lo ao Demônio. Este, sem paciência, agarrou em Biscornet e levou-o pelo espaço.

O artífice apercebeu-se, então, da dimensão do seu pecado e implorou tão fervorosamente a ajuda de Deus que o Diabo, perdendo as forças, se aproximou demasiado da cruz, erguida no alto o campanário de uma abadia. Biscornet agarrou-se a ela. Imediatamente o Demônio perdeu as forças e soltou-se de Biscornet, que desceu para o meio dos monges, para nunca mais os deixar. Morreu nesta abadia em estado de santidade.

Tal é a lenda das portas de Notre-Dame de Paris.


Fonte: Le Petit Journal/Paris, edição de 23 de agosto de 1867.


Nota:

1Ou seja, duplo chifre.

 

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