A TORRE DO DIABO DO CASTELO DE MONTFORT - Conto Clássico Sobrenatural - M. de Thibiage

A TORRE DO DIABO DO CASTELO DE MONTFORT

M. de Thibiage

(Séc. XIX)

Tradução de Paulo Soriano



Certa feita, às duas horas da manhã, baixou-se a ponte levadiça do castelo para permitir a passagem do jovem descendente da antiga família Montfort.

Trazendo no rosto a marca de um profundo desespero, já que as paixões violentas cravejavam intensamente a sua face, Arthur, de vinte e cinco anos, percorreu os longos corredores do castelo — as galerias decoradas com os retratos dos seus antepassados — e lançou ao redor olhares ansiosos, que eram o sinal de uma alma atormentada, a clamar por ajuda sobrenatural.

Aos dezoito anos, este descendente de nobres senhores tinha-se tornado o dono daquela fortuna. O seu pai, morto numa cruzada, não lhe tinha deixado, contudo, nenhum guia seguro, nenhum guardião fiel.

O único freio à sua tempestuosa juventude teria sido a sua terna, doce e inteligente mãe, mas ele a tinha perdido jovem demais para prescindir dos sábios conselhos e dos atenciosos cuidados com que ela rodeava a sua inexperiência.

Desde então, Arthur entregou-se às orgias e à devassidão, desfrutando apenas da companhia dos jovens senhores mais dissolutos do país, que se tornaram seus diários companheiros, até ao dia em que o velho mordomo da casa de Montfort, vendo como aqueles jovens arruinados formavam um enxame para sugar a fortuna de Arthur, levantou a voz para adverti-lo de sua cegueira. Mas, em retribuição a este sábio conselho, Arthur expulsou aquele fiel criado, substituindo-o por um servo complacente a seus caprichos e de quem não tinha de recear qualquer conselho respeitoso ou importuno.

Cinco anos não foram bastantes a que Arthur dissipasse a imensa fortuna dos Montfort. O jovem — imprudente e infeliz —, numa noite de loucura e embriaguez, perdera num jogo de apenas cinco minutos até mesmo o mausoléu de seus pais. À noite, quando regressou ao castelo, os suntuosos cômodos que percorria já não eram sua herança. Este quarto, onde estivera o seu berço; este chão, onde tinha dado os primeiros passos; estas longas galerias, onde, quando criança, corria com gosto; estes salões de festas e de bailes; este parque tão belo com as suas faias e os seus lariços; estes jardins esplêndidos, estes lambris dourados — tudo isto ia ser conspurcado pela presença de um senhor ignóbil, um devasso, um jogador, um plebeu, um camareiro, um homem sem nome, sem honra, de origem desconhecida. Aquele ser, em poucas horas, passaria insolentemente diante do retrato do seu pai, repousaria na sua cama, usaria todos os direitos que não deviam ter sido alienados pela família Montfort e, enfim, possuiria o túmulo da sua mãe.

Da ignomínia nada poderia salvá-lo, a não ser ouro, muito ouro. Ouro! Mas, quem lho daria? Então, Arthur lembrou-se de ter ouvido de seus amigos debochados a exaltação ao poder das forças infernais e pediu-lhes que o ajudassem: para ter ouro, ainda que apenas um punhado, que coubesse numa bota, venderia a sua alma a Satanás.

Mal lhe veio este pensamento criminoso, uma voz alta e sonora soou-lhe ao ouvido. Satanás, pessoalmente, acorreu ao seu chamado:

Jovem, és infeliz, e mais do que pensas. Não pensaste bem em todo horror do destino que te espera. O que será de ti — de ti, que foste tão tenramente alimentado nos prazeres, tão docemente embalado por uma volúpia encantadora. Quando deixares a tua bela mansão, onde encontrarás um amigo que te acolha e te console de tuas tristezas? Aqueles que, até agora, partilharam a tua fortuna, amanhã virarão a cabeça quando passares. Todas as carreiras te serão vedadas; irremediavelmente arruinado, não mais poderás manter a posição de teus ancestrais. Serás obrigado a obedecer ao que lhe for ordenado. Arrastando a tua miserável existência de cidade em cidade, conseguirás imaginar, enfim, o que o futuro te reserva? Eis-me, contudo, aqui. Se quiseres, compensar-te-ei pelas tuas perdas.

Acabaste de pedir-me ouro. Tê-lo-ás. Amanhã, ao amanhecer, pendura esta bota na mais alta torre de teu castelo. Ela será enchida de ouro. Prometo-te que a encontrarás sempre cheia. Conta com a minha palavra. Tu mesmo estabeleceste as condições deste ajuste: a tua alma pertencer-me-á no instante em que eu encher a bota. Mas, quando morreres, reclamarei o que me é de direito.”

Assim falou Lúcifer.

Sim! Dou o meu consentimento — exclamou Arthur, cuja perturbada fantasia tinha finalmente algo em que se apoiar. E, mais uma vez, encontrou-se sozinho no quarto.

Aquilo não fora uma ilusão. Com o ouro, poderia ocultar as suas loucuras. Com o ouro, poderia resgatar o seu castelo: uma herança rica e respeitável, que não deveria ter sido entregue à álea de um truque de cartas. Mas ele vê novamente os retratos de seus ancestrais e os contempla respeitosamente. O de sua mãe oferece-se aos seus olhos. A luz do dia, que se insinua, tinge de um ardente rubro a pálida face da castelã. Era como se a sua sombra, cheia de ira, estivesse prestes a lançar-se sobre ele, opondo-se à ímpia e sacrílega conduta do filho. O terror gelou Arthur. Permaneceu diante daquele retrato — que lhe era o aguilhão de remorso — como se a ele estivesse acorrentado. Onde recebera lições de sabedoria da amada mãe, onde ela o pusera a rezar, houvera ele feito um pacto diabólico.

Nova luta, novos tormentos. Arthur atirou-se de joelhos e clamou pela protetora da sua infância, pela sua mãe, que tinha sido tão doce e indulgente. Então, de repente, teve uma luminosa inspiração. Satanás haveria de encher-lhe a bota de com ouro. Mas, se conseguisse que o maligno não realizasse o que prometera, a alma de Arthur deixaria de pertencer-lhe. O jovem, assim, pensou em destacar a sola da bota. Decerto, um estratagema infantil, mas cujo resultado foi fazer com que a bota ficasse aberta dos dois lados, e, portanto, impossível de ver-se preenchida. Foi ele próprio pendurá-la na torre mais alta do castelo e, assim que a bota furada foi posta no lugar, choveu ouro. Uma enorme chuva de ouro rolou como granizo até ao pé da torre.

Satanás apressou-se em acumular um monte de moedas para comprar aquela alma, que, então, estava pronta a escapar-lhe. Desesperou-se por preencher o imenso vazio — que se estendia do topo e à base —, que o impedia de cumprir a sua contrapartida. E o ouro se acumulava. Arthur percebeu as intenções do espírito tentador. Ao seu comando, todos os seus servos e criados vieram, correndo, de todos os lados, armados de pás e picaretas, conjugando os esforços para dispersar aquele monte de ouro, que ameaçava galgar o topo da torre e preencher a bota.

Sob o comando de Arthur, todos trabalharam incansavelmente e o suserano implorava-lhes que não o abandonassem. O ímpeto da moeda, que lhes caía violentamente sobre a cabeça e as mãos, ferindo-as, não os derrotava, e nem mesmo os deteve a fúria veloz com que Satanás, esperançoso na vitória, redobrava a força da chuva metálica. Da aurora ao meio-dia, o ouro não parou de cair. Mas, então, o Ângelus soou no presbitério. De súbito, um terrível estalido despertou o medo no coração dos trabalhadores, que recuaram. Então, de repente, a alta torre, cuja solidez parecia desafiar as forças deletérias do tempo, desmoronou como as muralhas de Jericó. Com esta queda terrível, Satanás foi derrotado, tendo a sua impotente fúria destruído o monumento de sua bancarrota.

Impressionado pelo milagre, Arthur, voltou a ter sentimentos dignos do belo nome trazia. Quis, então, reconstruir a imensa torre. Sua vontade, contudo, encontrou um obstáculo intransponível. Já não podia reconstruí-la: o lugar tinha-se tornado um terreno inconsistente. Um acontecimento inesperado sempre punha abaixo a obra em curso. Nem Arthur, nem os seus filhos e nem os filhos de seus filhos foram capazes de reparar a rachadura feita no nobre solar. Séculos mais tarde, os escombros e da torre derribada ainda podiam ser vistos, e os curiosos visitantes eram informados: “Esta é a Torre do Diabo”.


Fonte: Histoire Pittoresque et Anecdotique des Anciens Chateaux, Paris, B. Renaut, Libraire-Éditeur, 1846.

 


Comentários

  1. Interessante esse conto...me lembrou, uma certa história de uma mulher que enganou o diabo...que muitos dizem(popularmente), que uma mulher fez o diabo peneirar água...sendo que isso é impossível...belo conto!

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