ANTROPOFAGIA - Narrativa Clássica de Horror - Sabine Baring-Goud
ANTROPOFAGIA
Sabine Baring-Goud
(1834 – 1924)
Durante o inverno de 1849, supunha-se que os lobos estavam particularmente famintos, pois somente assim as pessoas poderiam explicar os misteriosos desaparecimentos de crianças.
Um garotinho fora enviado a uma fonte para apanhar água; o jarro foi encontrado ao lado do poço, mas o garoto havia desaparecido. Reuniram-se os aldeões e lobos que encontraram foram dispersos.
Em maio de 1849, alguns patos do estalajadeiro de Polomyja sumiram e as suas suspeitas recaíram sobre o mendigo que morava na vila, a quem ele não tinha a mínima estima, pois, enquanto ele mesmo era trabalhador e diligente, Swiatek mantinha a si, à sua esposa e aos filhos por meio da mendicância, embora possuísse terra arável suficiente para produzir uma excelente safra de milho e legumes, se cultivados com ordinário cuidado.
Quando o dono do albergue se aproximou da casa, um cheiro adocicado de carne assada chegou-lhe às narinas.
— Pegarei o sujeito em flagrante — disse o estalajadeiro a si mesmo, aproximando-se furtivamente da porta e tomando muito cuidado para não ser percebido.
Quando abriu a porta, viu o mendigo rojar apressadamente alguma coisa sob pés e escondê-la sob os seus longos trajes. O taverneiro, num átimo, agarrou-o pelo pescoço, acusou-o de furto e o arrastou de seu assento. Imagine o seu horror e a sua repulsa quando, por sob as roupas do mendigo, rolou a cabeça de uma mocinha, de cerca de quatorze ou quinze anos, cuidadosamente separada do tronco.
Os vizinhos não tardaram a chegar. O venerável Swiatek foi detido, junto com sua esposa, sua filha — uma menina de dezesseis anos — e um filho, de cinco anos.
Examinaram minuciosamente a cabana e os restos mutilados da pobre garota foram descobertos. Numa tina, encontraram as pernas e as coxas, parcialmente cruas, parcialmente cozidas ou assadas. Num baú estavam o coração, o fígado e as entranhas, bem preparados e limpos, e tão cuidadosamente tratados como se arte de açougueiro habilidoso; e, finalmente, sob o forno, havia uma tigela cheia de sangue fresco.
A caminho do magistrado do distrito, o miserável jogou-se repetidamente ao chão, lutou com os seus detentores e tentou asfixiar-se, engolindo torrões de terra e pedras, mas foi impedido pelos condutores.
Levado perante o Protokoll em Dabkow, declarou que, auxiliado por sua família, já havia matado e comido seis pessoas. Seus filhos, no entanto, afirmaram categoricamente que o número era muito maior do que ele havia dito, e estes testemunhos foram corroborados pelo fato de que os restos de quatorze gorros e trajes diferentes, tanto masculinos quanto femininos, foram encontrados em sua casa.
A origem dessa inclinação horrenda e depravada foi a seguinte, de acordo com a própria confissão de Swiatek:
Há três anos, em 1846, uma taverna judaica na vizinhança fora incendiada, e o próprio anfitrião morrera nas chamas. Enquanto examinava aquelas ruínas, Swiatek, encontrou o cadáver meio assado do taverneiro entre as vigas carbonizadas da casa. Naquela época, o ancião estava morrendo de fome, pois não tinha o que comer há algum tempo. O cheiro e a visão da carne assada lhe inspiraram o desejo incontrolável de provar o cadáver. Arrancou uma parte dos despojos e saciou a sua fome com ela. Ao fazê-lo, concebeu um gosto imenso por carne humana. Por conseguinte, intuiu que não descansaria enquanto não a provasse novamente. A sua segunda vítima fora o órfão acima aludido; desde então — ou seja, durante o período de não menos que três anos —, alimentara-se frequentemente de carne humana, de molde que se revigorara e ganhara peso com aquelas assustadoras refeições.
A emoção despertada pela descoberta de tais atrocidades foi intensa. Várias pobres mães, que lamentaram a perda de seus pequenos, sentiram, angustiadas, reabrirem-se-lhes as feridas. A indignação popular atingiu o mais alto nível: remanescia o temor de que o criminoso fosse despedaçado pela gente enfurecidas, assim que fosse levado a julgamento; mas ele poupou a necessidade de tomar-se precauções para garantir a sua segurança, pois, na primeira noite de seu confinamento, o velho se enforcou nas barras da janela da prisão.
Imagem: PS/Perchance.
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