FATOS ESTRANHOS E SOBRENATURAIS - Narrativas Clássicas Sobrenaturais - Simon François Blocquel, dito Frinellan

FATOS ESTRANHOS E SOBRENATURAIS

Simon François Blocquel, dito Frinellan

(1780-1863)

Tradução de Paulo Soriano



1. A MORTE DE CARLOSTAD

A morte de Carlostad1 foi acompanhada de circunstâncias assustadoras, de acordo com os ministros de Basileia, seus colegas, que a testemunharam.

Dizem que, durante o último sermão de Carlostad no templo de Basileia, um homem alto e sombrio veio sentar-se ao lado do cônsul.

O pregador notou a sua presença e pareceu incomodado.

Ao deixar o púlpito, perguntou aos presentes pelo desconhecido, que se sentara próximo ao magistrado-chefe: ninguém além dele o tinha visto.

Ao chegar em casa, Carlostad teve mais notícias daquele espectro. O homem sombrio lá havia ido e agarrado pelos cabelos o mais novo e mais querido dos seus filhos. Depois de tê-lo levantado do chão, deixou-o cair, partindo-lhe o crânio. Feito isto, contentou-se em ordenar à criança que avisasse ao pai que, dentro de três dias, voltaria, e que ele devia estar pronto.

Quando criança contou ao pai o que lhe tinha sido dito, Carlostad ficou aterrorizado. Foi para a cama muito assustado e, três dias depois, morreu2.


2. O PEQUENO DEMÔNIO


Cambião é o nome dado aos filhos de demônios, nascidos do acasalamento entre íncubo e súcubo. Delancre afirma que os cambiões são muito mais pesados do que as crianças comuns.

Maiole relata que um mendigo galego despertava a piedade do público levando consigo um cambião.

Um cavaleiro, certa feita, vendo aquele mendigo com grandes dificuldades para atravessar um rio, levou, por compaixão, a criança pequena em seu cavalo; mas ela era tão pesada que o cavalo se envergou sob o seu peso.

Pouco tempo depois, o mendigo, ao ser pego, confessou que era um diabrete o que levava consigo, e que, desde então, ninguém lhe recusava uma esmola.


3. A PROPOSTA DE CÍRCULO MÁGICO


Há pouco tempo, encontrou-se, nos arquivos de Processo Penal preservados nos Arquivos da Alsácia, uma carta muito curiosa, datada de 1601, e escrita em alemão por Jean Habiszreuttinger, professor em Ohnenheim, e dirigida ao senhor de Ehenweihr. Eis a tradução da missiva:


Ao nobre e gracioso senhor Jacques de Rathsamhausen, senhor de Ehenweihr.

Que meus serviços sejam a segura garantia de meu apego a vós, nobre e poderoso senhor.

A crônica ensina-nos que os nossos pais veneravam os talentos sobrenaturais, assim como honravam a astronomia e a cavalaria, e que houve mesmo alguns que, para obterem tais talentos, entregaram o corpo e a alma a Satanás, e tornaram-se seus verdadeiros alunos (Schueler).

Na minha juventude, uma misteriosa inclinação — não sei que paixão — me atraiu para este estudo específico. Há sete anos, em 23 de janeiro do ano de 1594, eu me aproximei do espírito maligno e implorei-lhe que me instruísse em sua arte, comprometendo-me a servi-lo e submeter-me a ele.

Como meu período de aprendizado expirou na primavera passada, e o espírito maligno, segundo o pacto com ele realizado, submeter-se-á ao meu poder pelo resto dos meus dias, e obedecerá a mim como eu mesmo obedeci a ele por sete anos, resolvi fazer com que outros se beneficiassem da minha arte, além de provar o meu valor perante todos.

Sabe Vossa Graça, sem dúvida, que duas de vossas súditas têm sido afetadas, há vários anos, por doenças graves e dolorosas, e que todos os medicamentos comuns permaneceram, até agora, sem surtir qualquer efeito. A questão consiste em saber se a doença é natural ou não —se provém de Deus ou de Satanás —, porque, se for de origem sobrenatural, terá de ser tratada com remédios sobrenaturais, e, por isso, comprometo-me a curar estas mulheres. Justamente por este motivo, tomo a liberdade de implorar à Vossa Graça que me conceda permissão, mediante o pagamento de uma taxa de três coroas de ouro, para dar provas evidentes do meu conhecimento na arte mágica; e que não sobejem dúvidas do meu poder, porquanto todos poderão convencer-se de que, desde Cristo, nunca se conheceu semelhante milagre na terra.

Traçarei um círculo perto da comuna de Grussenlieim, sujeita à vossa jurisdição, no local onde tantos homens de armas foram despedaçados. Colocarei, no centro, um caixão representando o cemitério e os túmulos dos mártires. Nos quatro lados serão colocados os quatro flagelos com os seus atributos, armados de varas. O doutor Jacques de Grussenheim fará o papel da Morte. A Sra. Kilber, do referido local, representará a Fome. Suzanne, a francesa, fará a peste; e eu farei o papel da Guerra. Ninguém poderá entrar no círculo, exceto as quatro pessoas a que me referi, e seus nomes devem permanecer ocultos de todos.

Pela manhã, uma procissão solene, com cruzes e estandartes, percorrerá o círculo, e os Evangelhos serão lidos antes de cada uma das quatro pragas. Talvez o padre de Grussenheim se recuse a aceitar a minha proposta. Dirá ele que se não pode prestar às obras de Satanás. Mas que saiba ele que o que tenho para mostrar deve servir apenas para glorificar o nome de Deus, e que ele deve renovar, pelas minhas mãos, os milagres de Moisés e de Cristo, para despertar os homens da sua apatia. Devem os homens representar as varas das quatro pragas que hão de castigar o Universo. Faremos o que agora solicito e eu cuidarei do resto.

Para vos provar, meu gracioso senhor, que não há charlatanismo em minhas ações, consinto em ser queimado vivo pelo carrasco e em incorrer no reproche do povo, se minhas palavras forem falsas, ou se não o fizer, não for bem-sucedido em minha proposta.

Dado em Ohnenheim, no dia de Santo André do ano de 1601.

O vosso mais respeitoso e sempre obediente súdito.

Jean Habiszreuttinger, professor.”


Não sabemos se a prova ocorreu e se foi bem-sucedida: é provável que o senhor cura não a tenha autorizado.


4. O MONGE VÉTIN


Lemos em Lenglet Dufresnoy3 o relato da visão de um monge do século IX, chamado Vétin.

Este monge, tendo adoecido, viu uma multidão de terríveis demônios entrar na sua cela, carregando materiais adequados à construção de um túmulo.

Então viu umas figuras sérias e taciturnas, de trajes religiosos, que expulsaram os demônios.

Depois, Vétin viu um anjo rodeado de luz, que, aproximando-se, se colocou aos pés da sua cama. Então, tomou o doente pela mão e o conduziu, por um caminho muito agradável, à margem de um largo rio, onde gemiam muitos condenados, entregues a diversos tormentos, conforme a quantidade e a enormidade dos seus crimes. Ali, Vétin encontrou vários conhecidos, dentre os quais prelados e padres culpados, a arder, amarrados pelas costas a uma forca. As mulheres, que tinham sido suas cúmplices, estavam diante deles, sofrendo o mesmo suplício.

Viu, também um monge que se entregara à avareza e que ousara ter o próprio dinheiro. Teve de expiar o seu crime num caixão de chumbo até ao dia do julgamento.

Ademais, viu abades, bispos e até o imperador Carlos Magno, que se purificavam pelo fogo, mas que deviam ser libertados dentro de um certo tempo.

Em seguida, visitou a morada dos bem-aventurados no céu, cada um no seu lugar e segundo os seus méritos.

Depois disso, o anjo do Senhor disse-lhe quais eram os crimes mais odiosos aos olhos de Deus. E, nomeou, especificamente, a sodomia como o mais abominável.

Quando Vétin acordou, fez um relato completo desta visão, que foi imediatamente registada por escrito. Ele predisse que só lhe restavam dois dias de vida, recomendou-se às orações dos padres e faleceu morreu em paz na manhã do terceiro dia.

Morreu em 31 de outubro de 824, em Augre-la-Riche.


4. OLHOS FATAIS


Dumont, nas suas Viagens à Espanha, assegura-nos que, em certas regiões daquele reino, certos encantadores envenenam com os olhos.

Um espanhol — disse ele — tinha um olhar tão malicioso que, quando fitava para as janelas de uma casa, partia-lhe todos os vidros.

Outro, mesmo sem pensar, matava todos aqueles sobre quem o seu olhar recaía. Quando o rei foi informado deste fato, convocou o encantador e ordenou-lhe que olhasse para alguns criminosos condenados ao último suplício. O envenenador obedeceu e os criminosos morreram enquanto ele os encarava.

Um terceiro mandou reunir num campo todas as galinhas das redondezas e, assim que fixou aquela que lhe tinha sido designada, esta morreu imediatamente.



Fonte: Le triple vocabulaire infenal, Paris, 1847.


Notas:

1 Andreas Kalstadt (1486 – 1541), teólogo reformista alemão e chanceler da Universidade de Wittenberg.

2 Segundo Colin de Plancy, a morte de Carlostad, arquidiácono de Wittemberg, ex-partidário de Martinho Lutero, se deu em 25 de dezembro de 1541.

3 Nicolas Lenglet Du Fresnoy (1674 – 1755), sábio francês. 


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