A SOMBRIA IRMANDADE DE SANTA LUCRÉCIA - Narrativa Verídica de Horror - Anônimo do início do séc. XX
A SOMBRIA IRMANDADE DE SANTA LUCRÉCIA
Anônimo do início do séc. XX
Velika Kakinda é uma pequena povoação da Iugoslávia onde vive uma centena de negociantes e uns mil lavradores, estes últimos habitantes de um dos bairros da vila.
Neste bairro, numa casa que ficava quase fora da vila, vivia o casal Vukitch. A mulher, Maria, era uma senhora musculosa, de quarenta anos. Seu marido, Dusan, pertencia à classe dos lavradores ricos, pois que possuía uma boa propriedade nos arredores da vila.
Dusan Vukitch morreu há alguns anos repentinamente. Maria saiu correndo, alvoroçando a rua, dizendo às suas amigas que seu marido tinha chegado à casa, na noite anterior, completamente bêbado e havia amanhecido morto.
O enterro verificou-se sem que se desse mais importância ao caso. Sabiam que Dusan era dado à bebida.
Maria herdou as propriedades do marido e, logo em seguida, casou-se novamente com um sujeito que tinha também uma pequena propriedade agrícola junto à dela. Desde então, as mortes repentinas sucederam-se com uma inexplicável frequência no bairro dos lavradores de Velika Kakinda.
Maria tinha uma amiga casada com um homem muito mais velho do que ela, mas todos ali sabiam que estava apaixonada por um jovem carroceiro.
Pouco meses depois da morte de Dusan Vukitch, o marido da vizinha caía gravemente doente. Chamado o médico veterinário, nada puderam fazer pelo enfermo, que faleceu poucas horas depois.
—Depressa ela se casará com o carroceiro — dizia o povo.
A esse segundo caso seguiu-se um terceiro no mesmo bairro, três semanas depois. O morto também era o marido de outra mulher que frequentava a casa de Maria. Mas esta morte também não levantou suspeita alguma.
O médico, que foi chamado aos primeiros sintomas, disse umas palavras em latim, que aquela gente supôs ser o nome de alguma doença terrível.
Sendo jovem e bonita a viúva, era lógico que se casasse outra vez. E, como coisa natural da vida, assim sucedeu.
Depressa, os três mortos foram esquecidos.
No fim de algum tempo, chamou a atenção dos vizinhos a beatice de Maria Vukitch, que se havia entregue às práticas religiosas com exagerada ostentação.
Sua casa converteu-se num centro de reunião de mulheres beatas, que iam ali para rezar e falar da vida dos santos.
Eram sete as mulheres que se reuniam duas vezes por semana em casa de Maria, onde permaneciam fechadas horas e horas.
Da rua, ouvia-se o rumor das suas orações e cantigas sagradas. Tinham formado uma espécie de irmandade, sob a invocação de Santa Lucrécia, e, quando não se reuniam ali, era para a Igreja que iam se ajoelhar diante do altar da santa que haviam viam escolhido para padroeira.
Tudo isso fazia com que essas mulheres fossem tidas pelos vizinhos por pessoas muito virtuosas. Muitas eram as mulheres que queriam também entrar para aquela irmandade, mas as sete iniciadas regavam-se a receber novas adeptas, alegando que não estavam preparadas para tanto, pois que a sua vida não era pura e santa como a irmandade exigia.
Apesar de tudo, Santa Lucrécia não premiava a devoção daquelas mulheres com a sua proteção.
A morte visitava frequentemente o lar de suas devotas. De vez em quando, algum membro masculino das famílias da irmandade morria. Os casos de morte repentina continuavam assim tão misteriosos como os primeiros.
Lavradores ainda moços, que sempre tinham sido prova da melhor saúde, caiam repentinamente doentes e morriam em um ou dois dias.
Uma jovem enterrou dois maridos em quatro meses! Às leis nesse país não interessa o tempo de viuvez das mulheres para contraírem novo matrimônio.
Certa jovem mulher tinha um marido extremamente ciumento e vingara-se de seus acessos de zelo batendo barbaramente na sua adorada. Esta conseguiu ter entrada na irmandade de Santa Lucrécia e duas semanas mais tarde morria repentinamente o ciumento Otelo.
Um camponês surpreendeu uma mulher casada, pertencendo a tal irmandade, numa entrevista amorosa com alguém que não era seu marido. O camponês disse à infiel que iria contar ao seu esposo, mas não teve tempo. Na manhã seguinte, apareceu morto em sua cama.
No bairro, começou-se a murmurar e, de boca em boca, corriam histórias fantásticas. Diziam que as mulheres de Santa Lucrécia tinham parte com o diabo e que as mortes repentinas e misteriosas eram todas devidas a encantamentos e bruxarias provocadas por elas.
Procuravam não passar em frente da casa de Maria Vukitch e, quando obrigados a isso, não deixavam de fazer o sinal da cruz.
Nessa ocasião, o segundo marido de Maria morria tão misteriosamente como os outros, deixando toda a sua fortuna à viúva.
Naquela mesma semana, tinham ocorrido duas outras mortes nas mesmas condições. E, alarmados, os camponeses decidiram tomar providências, avisando as autoridades do que se estava passando.
Fizeram indagações e Maria Vukitch foi para a cadeia, acusada de ter envenenado o marido com uma substância desconhecida.
As autoridades judiciais procederam à exumação dos cadáveres de todos que tinham morrido repentinamente ou em condições idênticas. Os túmulos desvendaram o mistério.
Os médicos legistas verificaram que os mortos, cujas mulheres pertenciam à irmandade de Santa Lucrécia, tinham sido envenenados com a mesma mistura: arsênico e ópio.
Presas todas aquelas modernas Lucrécias Bórgia, declararam que haviam recebido o veneno das mãos da viúva Vukitch e confessaram mais que tinham formado a irmandade de Santa Lucrécia para afastar suspeitas, fazendo crer que se reuniam unicamente com o fim de se dedicarem a uma vida piedosa, entregues a orações e práticas religiosas.
Reuniam-se ultimamente todas as sextas-feiras na casa de Maria, onde contavam os seus desgostos matrimoniais ou expunham as queixas que tinham contra os seus noivos e amantes.
Iam para ali à procura de solução para os seus conflitos e para prepararem seus crimes.
Maria dava-lhes uns pós amarelos para serem misturados aos alimentos que dariam aos seus homens e indicava-lhes a maneira de fazê-lo sem despertarem suspeitas, dissimulando perfeitamente o seu gosto no alimento.
Maria fazia-se pagar pelo veneno quantias enormes, pois garantia que o comprava caríssimo a um vendedor ambulante os tais pós amarelos.
A princípio, as suas companheiras mostravam-se receosas de seguir seus conselhos, mas depressa, ao verem como lhes tinha sido fácil a coisa e como haviam ficado impunes as que se tinham desfeito, por este meio, de seus maridos e amantes, velhos ou ricos de quem iriam herdar, seguiram-lhe o exemplo que lhe dava um meio fácil de ficarem livres e ricas. Apesar das criminosas terem confessado os seus crimes, as autoridades ainda não se tinham dado por satisfeitas.
Quem seria o tal indivíduo que, de vez em quando, vinha vender a Maria Vukitch os tais pós amarelos?
Não restava a menor dúvida que o ópio e o arsênico eram ali introduzidos às escondidas. Mas por onde entrava? Quem seriam as pessoas que intervinham no contrabando?
É escusado dizer que todas as mulheres que faziam parte da diabólica irmandade foram condenadas à morte.
Fonte: “Leitura para Todos”, edição de maio de 1928.
Ilustrações: PS/Copilot.
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