VELEIRO - Conto de Horror - Felipe Morgado
VELEIRO
Felipe Morgado
Assir anda em uma rua escura. Acaba de sair do serviço. Está cansado, perdido em pensamentos. Ao caminhar pela úmida rua de paralelepípedos, sente algo crescendo em seu estômago; uma sensação vertiginosa, quase um pressentimento, uma espécie de preconceito ambiental assola sua consciência.
O relógio da repartição, pela qual passa em frente, marca 22:30; ele lembra do chefe, zanga-se a respeito do número excessivo de relatórios que foi obrigado a fazer.
Atrás de si, ouve os mesmos e indistintos passos, constantemente martelando sua cabeça, fazendo-o, a este ponto, questionar a sua sanidade mental. Como pequenas pedras jorrando de uma fonte infinita em seu flanco, a caminhada continua; ele não mais se preocupa em conferir a escuridão líquida que abriga o transeunte misterioso – Devem ser os funcionários da repartição — ele pensa, aplicando um doce analgésico para seu terror por meses cultivado — São apenas passo, afinal— presenteando-se com a certeza.
Não obstante, as marteladas métricas continuam; sem acréscimo de velocidade ou retardo: iguais. Assir, enquanto trava guerras psíquicas para não se comunicar com seu perseguidor, começa a correr; os passos aceleram. Ele vira; ainda assim, acompanhado. Mesmo com tais esforços, parece incapaz de se livrar da silhueta amórfica que o persegue.
De maneira a oferecer gradual horror, a escolta noturna a Assir já dura meses; ele se questiona como o horário de sua saída é sempre conhecido, uma vez que varia sua partida conforme a demanda laboral. Talvez seja alguém do trabalho — Um colega antigo? — ele se questiona. Como a perseguição noturna nunca cessou, nossa pobre vítima toma partido em comprar um canivete suíço, em uma loja local— devem estar planejando me roubar, analisando meus movimentos — ele afirma, de modo a justificar sua aquisição aparentemente paranoica.
Assir para. Se esconde num beco, onde decidirá seu destino. Se antes estivera nas paredes lépidas do Maelström, agora está em seu abismo. Como esperado, os passos aumentam em intensidade: não há escapatória. Ele procura alternativas para não seguir seu plano, qualquer razão para não ter o pavor irracional que inunda seus pensamentos e controla suas ações: nada. O desespero persiste, mas acompanhado da conformação: ele irá se defender. Os passos arrastados, agora adjacentes ao beco escuro onde Assir reside, irradiam como vento no veleiro que ele aprendeu a chamar de juízo. Então, como um pulo cego em um universo sem estrelas, o misterioso transeunte é interrompido por aço suíço implacável, jorrando sangue no então assassino, que foge, junto de seu incontrolável discernimento e frutífera imaginação.
Descansando pela última vez nos paralelepípedos úmidos de chuva e sangue, uma figura feminina obtêm êxito em dar seu suspiro final, enquanto falha, estando só, em dar ponto final às suas frases não finalizadas, uma vez que sua história já terminou. Assim como as outras pedras, que por meses caminharam pela mente de Assir, ela nem mesmo sabia de sua pobre existência, e foi vítima dos pesadelos perturbados de sua mente naturalmente entorpecida.
Imagem: PS/Copilot.
Comentários
Postar um comentário