A SENHORA DE MONTIGNY-LE-GANELON - Conto Clássico de Horror - Émile Maison

A SENHORA DE MONTIGNY-LE-GANELON

(Excerto)

Émile Maison

(Séc. XIX)

Tradução de Paulo Soriano



Já havia quase dois anos — se não mais — que o senhor de Montigny partira para países distantes, onde a guerra causava os seus estragos, deixando a sua esposa e alguns criados no castelo. O senhor estava verdadeiramente possuído pela loucura da espada, a quem chamava de “Madame”, mas isto enchia a esposa de ciúmes. Ora, o coração da mulher é um poço onde nenhum homem jamais desceu.

Quão diferente era a castelã do marido! Por mais que este tivesse um temperamento cordial e compassivo, a mulher, pelo contrário, parecia rígida e altiva, e grande era o temor que inspirava em seus vassalos; estes tiveram que sofrer com o mau humor da senhora quando senhor de Montigny partiu. Por isso, o retorno do suserano escudeiro1 era impacientemente aguardado e comemorado com alegria por essa pobre gente.

Esperavam, então, o seu regresso, mas meses inteiros se passaram sem nenhuma notícia do senhor. Foi durante este intervalo de espera que, certa feita, ao anoitecer, a Senhora de Montigny encontrou uma mendiga, acompanhada por sete crianças pequenas que pareciam ter a mesma idade. A pobre mulher se aproximou da dama para pedir esmolas; mas a senhora lhe disse asperamente:

Uma cadela não dá à luz mais filhotes do que você tem de filhos!

A estas palavras, a mendiga, que era nada mais nada menos que uma bruxa, respondeu:

Ah, a senhora ri de mim! Pois bem, como punição, a senhora terá, de uma mesma gravidez, tantos filhos quanto uma porca tem filhotes.

Depois disso, a pobre mulher desapareceu e a castelã retornou ao castelo, rindo alto do que acabara de ouvir.

Conta-se, porém, que algum tempo depois desse incidente, a senhora, num mesmo dia, deu à luz nove filhos. Ela ficou furiosa e ordenou uma busca pela bruxa amaldiçoada. Assim, tendo chamado uma de suas criadas, disse:

Meu senhor marido deve retornar logo; como lhe temo a ira, pegue oito desses pirralhos e jogue-os nas águas do rio Loir.

A criada pôs as oito pobres criaturinhas inocentes num saco e, sob a proteção da noite, dirigiu-se para o Loir, que banha a base das colinas de Montigny. Subitamente, ouviu que homens de armas vinham em sua direção, a cavalo, seguido por outros a pé: era a tropa do senhor de Montigny. Este último, aproximando-se dela, disse-lhe em tom alegre:

Aonde vai você a esta hora, minha querida?

Ela respondeu que ia afogar alguns cãezinhos. O seu senhor, contudo, pediu para vê-los, e ela teve de atender ao seu pedido.

Dominado pela dor, ao tomar ciência da perniciosa conduta da esposa, o nobre escudeiro, contrariando a própria natureza, ficou muito aborrecido e jurou puni-la. Para tanto, ele fez com que as oito criancinhas fossem criadas secretamente na aldeia.

Certo dia — alguns dizem que sete anos após o nascimento —, o senhor levou as crianças ao castelo, colocou entre elas aquele que a castelã havia adotado e, depois de vesti-los igualmente, mandou chamar sua esposa e perguntou-lhe:

Senhora, onde está seu filho? Pode-me mostrá-lo?

A mulher não podia, porque todas as crianças eram exatamente iguais. Confusa e atordoada, ela se jogou aos pés do marido; mas ele a empurrou e disse-lhe:

Que morte você merece?

Ela respondeu que merecia ser jogada do alto do castelo, trancada nua em um barril cheio de espinhos e lâminas, pois não considerava esse castigo desproporcional à sua culpa.

Dadas as ordens do escudeiro, a infeliz rolou, assim, para o Loir, cuja corrente a levou para longe de Montigny.

Um homem de armas a seguiu, gritando aos curiosos das regiões vizinhas:

Deixem passar a justiça do alto e poderoso senhor de Montigny-le-Gannelon!…

Finalmente, tendo a triste castelã chegado, já ao anoitecer, entre Saint-Jean e Saint-Claude, aldeias situadas abaixo de Bouche-d'Aigre, no Loir, começou a clamar por misericórdia. O soldado, que a seguira até Saint-Jean para retirá-la viva ou morta, compadeceu-se das suas lamentações. Ele a retirou do cruel artefato e a trouxe consigo, mas num estado deveras lastimável. Ela pediu roupas para se cobrir. Trouxeram-lhe uma capa e quando ela a colocou sobre o seu pobre corpo machucado, gritou, ao entregar o espírito:

Ah! Manto frio!…

Desde aquela época, as aldeias de Saint-Claude e Saint-Jean passaram a ter o apelido de Froidmentel. Quanto ao senhor de que falamos, era ele, no fundo, um coração leal e uma lâmina impávida; mais tarde, arrependeu-se por ter sido impiedoso e reconheceu, por si mesmo, que uma mulher não dá à luz nove filhos, de uma só vez, sem a intervenção de um poder estranho, de um espírito maligno ou de um demônio.


Fonte: “La Tradition”, edição de setembro de 1887.


Nota:

1Escudeiro, aqui, designa título honorífico da antiga nobreza.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O GATO PRETO - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A MÁSCARA DA MORTE ESCARLATE - Conto de Terror - Edgar Allan Poe

BERENICE - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe