O MAGO E O DEÃO - Conto Clássico Fantástico - Juan Manuel de Castela

O MAGO E O DEÃO

Juan Manuel de Castela

(1282 – 1348)

Tradução de Paulo Soriano


Em Santiago de Compostela havia um deão que nutria um grande desejo de aprender a arte da necromancia. Ouviu dizer que D. Illán de Toledo de tal arte sabia mais que qualquer outra pessoa naquela ocasião. Portanto, marchou para Toledo, a fim de aprender aquela ciência.

No dia em que chegou a Toledo, seguiu à casa de D. Illán e o encontrou a ler em uma câmara afastada. Este o recebeu bondosamente, e disse-lhe que postergasse o motivo de sua visita para depois do almoço. Mostrou-lhe um alojamento muito fresco e disse-lhe que a sua vinda muito lhe agradava. Depois do almoço, o deão explicou a razão daquela visita e rogou a D. Illán que lhe ensinasse a ciência mágica. D. Illán lhe disse que adivinhava que ele era deão, homem de boa posição e de futuro auspicioso, e que temia ser logo esquecido por ele. O deão prometeu e assegurou que nunca esqueceria aquele favor e que estaria sempre às suas ordens.

Esclarecido o assunto, explicou D. Illán que as artes mágicas somente poderiam ser aprendidas em lugar reservado e, tomando-o pela mão, o levou a um cômodo contíguo, em cujo chão havia uma grande argola de ferro. Antes disse a uma criada que trouxesse perdizes para o jantar, mas que não as pusesse para assar antes que ordenasse. Levantaram uma argola e desceram por uma escada de pedra bem lavrada, e mesmo pareceu ao deão que, de tanto descerem, o leito do rio Tejo corria sobre eles. Ao pé da escada havia uma cela e depois uma biblioteca. Revisaram os livros, e assim permaneciam quando entraram dois homens com uma carta para o deão, escrita pelo bispo seu tio, na qual dizia que estava muito enfermo e que, se quisesse encontrá-lo vivo, não deveria demorar-se.

Tal notícia contrariou sobremodo o deão, a um pela doença do tio, e, a outra, por ter que interromper os estudos. Optou por escrever uma desculpa e a mandou ao bispo. Três dias depois, chegaram uns homens de luto com outras cartas, nas quais se lia que o bispo havia falecido, que estavam elegendo um sucessor, e que esperavam, pela graça de Deus, que elegessem a ele, o deão. Diziam também que não se incomodasse em vir, pois parecia muito melhor que o elegessem em sua ausência.

Passados dez dias, vieram escudeiros mui bem vestidos, que se lançaram aos seus pés e beijaram a sua mão, e o saudaram como bispo. Quando D. Illán viu estas coisas, dirigiu-se com grande alegria ao novo prelado e lhe disse que agradecia ao Senhor pelas tão boas notícias chegavam à sua casa. Depois lhe pediu o decanato vacante para um dos seus filhos. O bispo o fez saber que havia reservado o decanato ao seu próprio irmão, mas que estava determinado a favorecê-lo e concluiu por que partissem juntos para Santiago. E para Santiago seguiram os três, onde foram recebidos com honrarias.

Seis meses depois, o bispo recebeu mandatários do papa, que lhe oferecia o arcebispado de Tolosa, deixando ademais em suas mãos a nomeação do sucessor. Quando D. Illán soube disso, lembrou-o da antiga promessa e lhe pediu esse título para seu filho. O arcebispo disse-lhe que havia reservado o bispado para seu próprio tio, irmão de seu pai, mas que estava determinado a favorecê-lo, e concluiu por que partissem juntos para Tolosa. D. Illán teve de assentir.

Foram para Tolosa os três, onde foram recebidos com honrarias e missas. Dois anos depois, o Arcebispo recebeu mandatários do papa, que lhe oferecia o barrete de cardeal, deixando em suas mãos a nomeação do sucessor. Quando D. Illán soube disso, lembrou-o da antiga promessa e lhe pediu esse título para seu filho. O cardeal o fez saber que havia reservado o arcebispado para seu próprio tio, irmão de sua mãe, mas que havia determinado favorecê-lo, e concluiu por que partissem juntos para Roma. D. Illán teve de assentir. Foram para Roma os três, onde foram recebidos com honrarias, missas e procissões.

Quatro anos depois morreu o papa e o cardeal foi eleito para o papado por todos os demais. Quando D. Illán soube disto, beijou os pés de Sua Santidade, lembrou-o da antiga promessa e lhe pediu o cardinalato para o seu filho. O papa o ameaçou de prisão, dizendo-lhe que bem sabia que ele não era mais que um bruxo, e que em Toledo havia sido professor de artes mágicas. O miserável D. Illán disse que ia voltar à Espanha e lhe pediu algo para comer durante o caminho. O papa recusou-lhe a comida. Então D. Illám disse com uma voz sem tremor:

Pois terei que comer as perdizes que mandei preparar para esta noite.

A criada se apresentou e D. Illán mandou assá-las. Às palavras do bruxo, o papa voltou a achar-se na cela subterrânea, nova e tão somente deão de Santiago, e tão envergonhado da própria ingratidão que não conseguia sequer se desculpar. D. Illán disse que esta prova o era bastante. Negou-lhe a parte que lhe caberia nas perdizes e o acompanhou até a rua, onde lhe desejou uma feliz viagem e o despediu com grande cortesia.


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