A IRMÃ MORTA - Narrativa Verídica Sobrenatural - Camille Flammarion, Luís Noell e Teresa Noell

A IRMÃ MORTA

Camille Flammarion (1842 — 1925), Luís Noell e Teresa Noell (Séc. XIX)

Tradução de autor anônimo do início do séc. XX


Começaremos [por narrar] o seguinte [fato], que acaba de ser publicado, com todos os documentos capazes de lhe garantirem a absoluta veracidade, na excelente revista especial, fundada precisamente para tratar destes fenômenos— Les Annales des Sciences Psycliiques, do Dr. Dariex.


Nos primeiros dias de novembro de 1869, parti de Perpignan, cidade onde nasci, para ir continuar meus estudos de farmácia em Montpellier.

Minha família se compunha, nessa época, de minha mãe e de minhas quatro irmãs. Eu as deixei felizes e de saúde perfeita.

A 22 do mesmo mês, minha irmã Helena, uma bela moça do 18 anos, a mais jovem e a minha predileta, reuniu em nossa casa algumas de suas amigas.

Pelas três horas da tarde, elas se dirigiram, acompanhadas por minha mãe, para uma aleia de plátanos, onde costumavam passear. O tempo estava magnífico. Ao fim de uns trinta minutos, porém, Helena foi acometida de um súbito mal.

Mamãe — disse ela —, sinto um estranho tremor correr todo meu corpo; tenho frio e a garganta me dói. Voltemos.

Doze horas após, a minha querida irmã expirava nos braços de minha mãe, asfixiada por uma terrível angina, ante a qual dois médicos nada puderam fazer.

Como eu era o único homem da família, precisava representar-me no funeral, e minha mãe enviou-me para Montpellier um telegrama, ao qual fez seguir outro, horas mais tarde, visto que não lhe chegara nenhuma resposta minha.

É que, por uma fatalidade que ainda hoje deploro, não recebi a tempo nenhum dos telegramas.

Ora, na noite de 23 para 24, dezoito horas após a morte de minha irmã, eu fui preso de uma espantosa alucinação.

Havia me recolhido à casa, às duas horas da manhã, com o espírito desanuviado, pensando ainda num divertimento em que acabava de tomar parte. Ao deitar-me, sentia-me feliz. E, cinco minutos depois, adormecia.

Pelas quatro horas da madrugada, eis que vejo aparecer diante de mim a figura de minha irmã Helena, pálida, inanimada, e um grito cortante, repetido, choroso, feriu os meus ouvidos:

Que fazes tu, Luís? Volta, vem já!

Em meu sonho, nervoso e agitado, eu tomei um carro — mas ai! — malgrado esforços sobre-humanos, o carro não andava. E eu continuava a ver minha irmã pálida, ensanguentada, desfigurada, e a ouvir-lhe o mesmo grito cortante, repetido, choroso:

Que fazes tu, Luís? Volta, vem já!

Despertei, então, bruscamente, a face congestionada, a cabeça em fogo, a garganta seca, a respiração curta e irregular, enquanto que de meu corpo o suor corria. Saltei fora do leito, procurando acalmar-me. Mas, em vão, uma hora depois tornei a deitar-me: não pude mais dormir, nem mesmo dar repouso ao espírito, assim repentinamente perturbado.

Às onze horas, chegando à pensão, ia tomado de uma formidável tristeza. Interrogado pelos meus camaradas, contei-lhes o fato brutal que me sucedera. Riram, troçaram de mim. Às duas horas, encaminhei-me para a faculdade, a ver se no estudo lograva repousar.

Eram quatro horas quando saí da aula e vi que uma senhora, toda de luto, se dirigia para mim. A dois passos dos meus, ela levantou o véu, e eu logo reconheci minha irmã mais velha, que, inquieta sobre a minha pessoa, vinha, apesar da sua legitima dor, saber o que era feito de mim. Deu-me parte do fatal acontecimento, que nada me podia fazer prever, pois que eu tinha recebido excelentes notícias de minha família ainda no dia 22, de manhã.

Eis a narrativa que vos faço, e cuja absoluta verdade afirmo sob palavra de honra. Não emito nenhuma opinião, limito-me a contar-vos o caso. Vinte anos se passaram depois disso, mas a impressão que eu senti é ainda igualmente profunda, e, se a figura de Helena já me não aparece, talvez com a mesma pureza de linhas, eu escuto ainda o seu mesmo apelo choroso, multiplicado, desesperado:

Que fazes tu, Luís? Volta, vem já! — Luís Noell, farmacêutico em Celta.”


A esta narrativa acompanham documentos destinados a provar a sua autenticidade e, entre os quais, a seguinte carta da irmã do observador:


Meu irmão me pediu que, para satisfazer desejos vossos, eu vos enviasse a narrativa do encontro que tive com ele, em Montpellier, após a morte de nossa irmã Helena. Obedecendo, venho, malgrado a amargura de recordações dolorosas, trazer-vos meu testemunho.

Ao ver na rua meu irmão, que foi o primeiro a me reconhecer, apesar do meu luto cerrado, compreendi logo que ele ignorava a morte de Helena.

Que desgraça nos aconteceu? — exclamou ele.

Ouvindo da minha boca a triste nova, ele me apertou nos braços com tal violência que quase tombei no solo.

Voltando com ele à casa, presenciei uma cena horrível.

Louco de cólera, meu irmão, que era nervoso, impetuoso, mas muito bom, quase me maltratou:

Que fatalidade! — exclamou ele. — Que desgraça! Mas esses telegramas, por que os não recebi eu?!

E atirou dois socos violentos à mesa, abalando-a toda.

Depois, agitadíssimo, pôs-se a beber copos sobre copos de água.

Houve um instante em que acreditei que ele estava na realidade louco, tão desvairado era o seu olhar...

Quando voltou a si, algumas horas após, disse-me:

Oh! Eu estava seguro disto; uma grande desventura devia cair sobre mim! E contou-me então a alucinação que tivera durante a noite. —Teresa Noell.”


Fonte: Leitura Para todos, nº 01, novembro de1905.



 

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