HOMENS CONVERTIDOS EM LOBOS - Narrativa Clássica Sobrenatural - Olaus Magnus
HOMENS CONVERTIDOS EM LOBOS
Olaus Magnus
(1490 – 1557)
DA FEROCIDADE DE MUITOS HOMENS QUE POR ENCANTAMENTO SE CONVERTEM E LOBOS
Na festa do nascimento de Cristo nosso redentor, já vinda a noite, em lugar assinalado, congrega-se e se ajunta grande quantidade de homens, de diversos lugares, convertidos em lobo.
E nesta sagrada noite exercitam sua ferocidade contra todos os gêneros de gentes e animais domésticos; de tal maneira que é maior o dano que se costuma receber destes infernais lobos do que se pode receber dos animais verdadeiros e naturais; porque, como já se sabe, procuram entrar nas casas e cabanas que os camponeses têm nos ermos e despovoados. E põem suas forças para quebrar as portas, para despedaçar homens e animais que acharem dentro. E entram nas bodegas, onde há cerveja, e bebem o que acham; e os copos, que deixam vazios, alçam-nos uns sobre os outros. E, com este arranjo, diferem dos nativos verdadeiros.
O lugar onde acaso repousem naquela noite, chamam-no os nativos daquela terra de “fadado”, pois, se ali a alguém suceder alguma adversidade e desgraça — tal como que se lhe transtorne o carro, que se despenhe e afunde na neve —, se tem por mui persuadido e certo de que naquele ano há de morrer, como aqui já foi visto pela experiência de muitos tempos, segundo dizem.
Na Lituânia, Samogécia e Lurônia há uma parede derribada de um castelo arruinado. E aqui, em certa época do ano, se juntam muitos desses lobos para o fim de ver e experimentar qual deles seria o mais ligeiro no salto; e os que não puderem saltar tal parede de parte a parte (como o que costuma acontecer com os que são gordos), os maiorais, depois, mandam que sejam açoitados.
E, em conclusão, se afirma por verdade que, entre esta multidão de lobos, há também senhores e cavaleiros principais da terra, alguns de sangue real. E dizem que esta transmutação, tão contrária à natureza, procede de um necromante mui sábio dessa arte infernal; o mago ensinou que, dando a alguém uma taça de cerveja para beber, e pronunciando o neófito certas palavras, logra converter-se em animal, contanto que haja, previamente, consentido e aceitado integrar o consórcio e congregação dessa diabólica manada.
E quando consultam e concertam fazer a transformação, metem-se num aposento secreto ou em uma selva ou bosque muito distante. E ali deixam a figura de homens e tomam a destes animais. E, em virtude de seu arbítrio e vontade, podem, depois de algum tempo, deixar a forma animalesca e tomar a sua própria figura; e vice-versa.
DE ONDE SE EXEMPLIFICAM OS QUE SE CONVERTERAM EM LOBO E VICE-VERSA
Pois, vindo aos exemplos, digo: um nobre cavaleiro, caminhando por uma grande e espessa selva, trazia consigo, a seu serviço, alguns camponeses instruídos na feitiçaria (como muitas vezes se acham em semelhantes lugares).
Sucedeu que a noite os tomou em sua espessura e a necessidade os compeliu a nela permanecer em pleno campo ermo, porque não havia por perto nenhuma pousada, nem hospedagem; e, necessitados, padeciam de fome.
Ao fim, um deles propõe um conselho repentino, alertando aos demais que fiquem quietos e não se ponham em alvoroço se algo virem, senão que ponham os olhos num rebanho de ovelhas, que, à distância, andava repastando. Pois daria ordem, sem muito trabalho, para que comessem assada a ovelha, já que por ali havia algumas delas.
Com isto, meteu-se entre árvores espessas, onde ninguém podia ser visto. Ali se transfigurou em lobo e se lançou impetuosamente às ovelhas.
Tomada uma delas, voltou às pressas à mata e em breve tempo a trouxe à carroça onde estavam os fardos. Os companheiros, sabedores desta presa, a receberam de mui boa vontade e guardaram a ovelha na carroça.
E o lobo transformado se ocultou na mata espessa e dali voltou a sair em sua própria figura de homem.
*
Sucedeu, também, na Livônia, não há muitos anos, uma disputa entre a mulher de um nobre cavaleiro e um escravo seu (ali, mais do que em qualquer outra província da cristandade, os escravos têm muitos iguais, e em abundância), que consistia em saber se homens podiam convolar-se em lobos, e tal disputa chegou à altercação.
O escravo, então, pediu à sua senhora licença pra fazer a transformação. Dada a licença, o escravo entrou, a sós, num aposento, de onde rapidamente saiu transfigurado em lobo. Visto por todos os cães, estes foram por todo o campo em seu encalço, sem o deixar, até que o encerraram na montanha. Embora o licantropo muito se defendesse dos cães, estes lhe arrancaram um olho.
No dia seguinte, o escravo voltou para onde estava a sua senhora com um olho a menos.
*
Tem-se, em meu tempo, por verdade que o duque da Prússia, por não dar crédito a tal feitiçaria, estando preso um destes feiticeiros, compeliu-o a que se transformasse em lobo.
E assim o fez o feiticeiro.
E o duque mandou que o bruxo fosse, em seguida, queimado, para que tal feitiçaria não ficasse impune.
Semelhantes encantamentos e ardis infernais estão reprovados. Mandam-se castigar por leis divinas e humanas.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução espanhola de Lorenzo de San Pedro (séc. XVII).
Fonte: “Historia de las Gentes Septentrionales” (manuscrito do séc. XVII - livro XVIII, capítulos 32 e 33).
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