DE PROFUNDIS CLAMAVI - Narrativa Clássica de Horror - Pedro Escamilla
DE PROFUNDIS CLAMAVI1
Pedro Escamilla
(? – 1895)
Tradução de autor anônimo do incio do séc. XX
I
Remontemo-nos ao dia em que Luísa se sentiu acometida, no hospital, daquele ataque, que a fez passar por morta. Afortunadamente, hoje não são frequentes mais semelhantes casos. Luísa, vitima de um acesso cataléptico, poucas horas depois, teve manifestos todos os sinais evidenciadores da morte.
Foi retirada do leito que ocupava e trasladada com outros cadáveres para o necrotério do hospital, de onde deviam transferi-la no dia seguinte para o cemitério.
A infeliz, com toda a consciência de seu ser, não podia fazer o menor movimento, nem exalar o mais débil grito, que provasse o erro dos que até ali a tinham conduzido.
Passou a noite e quase lodo o dia seguinte no necrotério.
Ao cair da tarde, um homem foi trasladando os cadáveres para um carro.
Pouco depois, Luísa sentiu o desigual movimento das rodas do carro fúnebre e ouviu o canto monótono e triste do cocheiro.
Porque parece que quem lida com defuntos adquire um quer que seja da tristeza deles.
II
No fim de algum tempo, o carro, com a sua fúnebre carga, chegou ao lugar de seu destino.
Começava a anoitecer. Era janeiro. Luísa sentia um frio horrível… o frio da morte a que a haviam condenado.
A grande cova, ou fosso, estava de antemão preparada.
O cocheiro e o coveiro revezavam-se em depositar os cadáveres na cova: os últimos ali postos foram cobertos com uma ligeira camada de terra. Luísa sentiu caírem-lhe sobre o peito desnudo aquelas pás de terra, fria, última dádiva que lhe faziam os vivos: tinha entrado no sepulcro pela sombria e terrível portada desesperação: a eternidade começava para ela antes mesmo de haver terminado a vida.
Enquanto sentiu perto de si vozes humanas, ainda conservou uma leve esperança…
Se conseguisse despedaçar as pesadas ligaduras que lhe prendiam os membros e a voz!
Se pudesse fazer um esforço, dar um grito, salvar-se-ia!
Ainda ali estavam o cocheiro do carro e o coveiro… Tê-la-iam i ouvido e, retirando a terra, que a cobria, ter-lhe-iam prestado auxílio.
Porém, nada!
Posta lai, sem movimento, sem voz… Enterrada vida!
Que horror!
Bem depressa, um lúgubre silêncio lhe demonstrou que os vivos a abandonavam, levando-lhe a última esperança. Luísa estava perdida! Naquele momento, lembrou-se de seu avô. Ai! Seria aquela a vingança dele?
Porém, como é que um avô, que tanto bem queria à sua neta, podia tomar vingança tão cruel?
Sem embargo, Luísa acreditou ver assomar a cabeça calva dele na beira da cova… Os olhos da infeliz atravessavam, como se fora de cristal de Veneza, a camada de terra que a cobria…
Ali eslava o seu avô, furioso e tremebundo, que vinha buscá-la para amaldiçoá-la.
Luísa quis fazer um movimento, cruzar as mãos suplicantes e gritar:
— Perdão!
III
E gritou, efetivamente.
Aquele esforço supremo quebrou afinal as débeis ligaduras com que a aprisionava a catalepsia.
—Socorro! Socorro! — gritava ela.
Mas era um grito sem eco.
Bem que fosse ligeira a camada de terra, sufocava o
—Socorro!… — continuava gritando a infeliz.
Ouvi-la-iam? Compadecer-se-ia o Céu de sua triste situação?
IV
Naquele momento, o guarda do campo santo, que por ali passava com um feixe de lenha, deteve-se e escutou. Clara e distintamente aos ouvidos lhe chegou a palavra “socorro!”.
Então, atirou com a lenha para um lado, tomou um uma pá e começou a tirar a terra.
V
Entre as sombras da noite viu que alguém se mexia dentro da cova.
Era Luísa, que se forcejava por estender-lhe os braços, dizendo-lhe:
—Ampare-me! Não me abandone, pelo amor de Deus!
O bom homem carregou com aquele corpo, que acabava de fazer uma terrível aprendizagem de cadáver, e entrou com ele em sua casa, chamando a mulher.
Os dois puseram a infeliz em sua própria cama.
A mulher levou-lhe uma xícara de caldo com uma colher de vinho, que Luísa bebeu com ânsia.
Em seguida, sentiu que uma espessa sombra lhe invadia a mente, extinguindo-lhe a memória.
Luísa enlouqueceu naquele instante: salvara-se para perder a razão.
Fonte: Diario da Manhã/MA, edição de 4 de abril de 1906.
Excerto do romance “Um Drama ao pé do Cadafalso”.
Nota:
1Clamei das profundezas.
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