NÁUFRAGOS: QUADRO DE HORROR - Narrativa Verídica de Horror - Autores anônimos do séc. XIX

NÁUFRAGOS: QUADRO DE HORROR

Autores anônimos do séc. XIX



O New York Evening Express publica os seguintes pormenores, dados por um de seus correspondentes, que se tendo munido dum aparelho de mergulhador, explorou os restos do vapor “Atlântico” com permissão e o sob a direção dos mergulhadores que trabalham na salvação dos fragmentos.

No momento em que desci, estava a água clara e eram perfeitamente visíveis todos os objetos que rodeavam o navio.

Todo eu tremia coM o pensamento de estar imerso a semelhante profundidade, na qual o menor acidente seria para mim a causa de uma morte certa e imediata.

O imenso casco do “Atlântico” está inclinado sobre um lado, que o choque contra os recifes entreabriu em vários sítios. De roda dele andava um cardume que devorava rapidamente as parcelas de alimento que podia agarrar na passagem.

Dirigi-me, conforme pude, para a quilha e, agarrando-me a um cabo, subi à coberta. O sítio a que fui ter era precisamente aquele onde o navio se tinha partido. A escotilha está aberta: curvo-me e olho para o porão. Que espetáculo!

A carga está amontoada em uma confusa massa; corpos de homens e de mulheres despedaçados jazem debaixo das caixas e dos fardos.

As lentes de aumento, através das quais eu olhava, ampliavam o horror deste espetáculo.

Numerosos peixes nadam no meio dos corpos, fartando-se de carne humana. Aqui e ali veem-se membros dispersos, separados do tronco pela contínua ação das águas; quando estas se agitam, levam-me de encontro às cintas quebradas do navio, que se erguem e cruzam com vários sítios, dificultando-me os movimentos.

Não posso demorar-me mais na contemplação de tão horrorosa cena. Dirijo-me para as câmaras da ré e, entrando em uma delas, vejo mulheres e crianças afogadas dentro dos beliches, onde a morte as foi surpreender.

Subindo à coberta, guiado pela corda que me sustenta de cima, e apoiado ao braço do mergulhador que me acompanha nesta exploração fúnebre, chego ao pé da escada.

Se o espetáculo do porão era espantoso, o que se oferece agora a meus olhos o é dez vezes mais.

Naquele lugar, estavam reunidos, em um grupo inominável, mais de cem cadáveres.

Ao vê-los — com os braços estendidos, os olhos fixos e arregalados, os rostos ainda contraídos pelo terror, e movendo-se para trás e para diante, impelidos pela corrente submarina —, dir-se-ia que a vida os animava ainda. Alguns estavam vestidos, mas a maior parte estava seminua.

Viam-se crianças agarradas a suas mães; homens protegendo suas mulheres com os braços e que pareciam haver esperado a sorte com tranquila resignação.

O meu guia levou-me depois à câmara da ré, onde, no momento do naufrágio, se tinham precipitado em massa para a escada. Olhei por dentro e vi o mesmo sinistro espetáculo.

Na escada, estavam apinhados cadáveres de homens robustos, velhos e jovens; as ventas dilatadas, as bochas escancaradas; o olhar fixo e envidraçado dava alguma ideia do espanto que os dominava quando tentaram subir às cobertas, mas onde foram detidos pelas vagas que varriam o navio e encheram a câmara no momento em que ele tocou nos recifes.

Em outro sítio do navio, pude olhar para os beliches, onde jaziam, aos montes, do lado das portinholas, cadáveres confundidos com os lençóis e mantas. Era ainda mais horroroso do que os outros o aspecto que apresentavam esses cadáveres, em consequência do choque contínuo contra os pedaços de madeiro das cintas e dos leitos.

Não pode a imaginação conceber coisa mais horrível do que o que se via neste sítio. Os rostos estavam desfigurados, vermelhos e ensanguentados, e contrastavam com o aspecto lívido dos que se viam nos outros compartimentos.


Fonte: Jornal do Pará/PA, edição de 1º de novembro de 1873.

Fizeram-se breves adaptações textuais.


 

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