O CÃO E O MORTO-VIVO - Conto Clássico de Terror - Alexander Nikolayevich Afanasyev

O CÃO E O MORTO-VIVO

Alexander Nikolayevich Afanasyev

(1826 – 1871)





Certo dia, um camponês saiu para caçar, levando consigo seu cão favorito. Caminhou longamente por bosques e pântanos, mas, infelizmente, não obteve presa alguma. Por fim, a escuridão noturna o surpreendeu. Numa hora misteriosa, passou por um cemitério. Numa encruzilhada, viu um cadáver enfiado numa mortalha branca. O camponês ficou horrorizado e não sabia o que fazer: se ficava ou corria.

Bem — pensou —, aconteça o que acontecer, continuarei.

E ele continuou, com o cão correndo em seus calcanhares.

Quando o cadáver o viu, correu ao seu encontro. O morto-vivo não o pisava o chão, senão flutuava cerca de um pé acima do solo, com a mortalha a tremular-lhe ao corpo. Quando se aproximou do camponês, investiu sobre ele, mas o cão agarrou-o pelas panturrilhas nuas. Então, ensaiou, com o redivivo, uma feroz disputa.

Vendo aquele embate, o homem ficou maravilhado. Como as circunstâncias lhe foram proveitosas, fugiu, com todo ímpeto, para casa.

A seu turno, o cão manteve a luta com o cadáver até o canto do galo. Ao brilhar o Sol, o cadáver caiu, imóvel, no chão. O cão correu em busca de seu dono e o alcançou assim que este chegou a casa. Mas, numa fúria selvagem, o cão avançou para o homem, tentando furiosamente mordê-lo e dilacerá-lo.

O que aconteceu com o cão? — perguntou a velha mãe do camponês. — Por que deveria odiar, tanto assim, o seu dono?

O filho contou-lhe tudo o que lhe acontecera.

Fizeste muito mal, meu filho! — disse a velha. — O cão ficou com raiva de ti, eis que não o ajudaste. Lá estava ele lutando com o cadáver, mas tu o abandonaste, pensando apenas em salvar a própria pele! Agora ele ficará, para sempre, magoado contigo.

Na manhã seguinte, enquanto as pessoas da família andavam pelo pátio, o cão permaneceu perfeitamente calmo. Mas, no momento em que o dono apareceu, pôs-se a rosnar, como o faria a um estranho.

Prenderam-no a uma corrente. Por um ano inteiro, mantiveram-no agrilhoado. Mas, apesar disso, jamais se esqueceu daquela ofensa.

Certo dia, o cão se soltou, voou diretamente para o camponês e tentou dilacerar-lhe as goelas.

Tiveram que sacrificá-lo.


Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução de William Ralston Shedden-Ralston (1828–1889).



 

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