OCASO AO AMANHECER - Conto de Terror - Carlos Enrique Saldívar

OCASO AO AMANHECER

Carlos Enrique Saldívar

Tradução de Paulo Soriano


Amo-te mais do que a mim próprio, princesa.

Lembro-me de quando te vi pela primeira vez, num anoitecer em que saíste para a floresta para apanhar ramos, eu morava longe dali e tinha vindo àquelas paragens em busca de alimento. A tua pele cor de canela, teu olhar leonino e os teus cabelos ondulados fizeram-me desejar-te imediatamente. Detectaste a maldade em mim assim que me viste, ficaste assustada e na defensiva, mas eu jurei não te fazer mal.

Cedeste à minha sedução, no fundo sabias que éramos afins. Nossos encontros tornaram-se frequentes, disseste-me que havias crescido sozinha nas ruas de Lima, que tinhas vindo a esta província porque, depois da tua passagem pelo mundo, tinhas deixado para trás muita dor e desespero. Vivias num convento, as freiras tinham-te acolhido, davam-te afeto, era quase um lar. Nada falaste de mim. Pediram-te que fizeste votos de castidade, não pudeste realizá-los, querias amar, amar-me, entregaste-te a mim, nua, voluptuosa, nunca uma mulher me tinha feito tão feliz. Noites intensas de paixão. Noites sem Lua. Adorávamo-nos um ao outro, duas criaturas impressionantes na imensidão do mundo. Dois seres minúsculos e imperfeitos que haviam encontrado alguém em quem confiar. Já não estávamos sós. Um ano de felicidade.

No entanto, adveio a desgraça, talvez por minha causa.

Tornava-te incontrolável nas noites de luar, as que de te cuidavam não podiam prever que roubarias uma cópia da chave da tua cela e fugirias durante a tua transformação. Felizmente, não atacaste nenhuma de tuas benfeitoras, que fecharam a chave os próprios aposentos, resguardados por portas de metal. Depois, dirigiste-te à cidade, devorastes homens, mulheres e crianças.

Assim tem sido nas últimas noites, e já não é a Lua, é algo mais, uma necessidade, o teu instinto.

Por isso, sendo o único capaz de te conter, carreguei uma arma com uma bala de prata e, nesta floresta, onde se deu o nosso primeiro encontro, dei-te um tiro no coração.

Ajoelhado junto à tua beleza inerte, agora totalmente humana, decidi esperar a extinção. Não me preocupa o teu corpo, as freiras encontrá-lo-ão e terás uma sepultura cristã. Não poderão enterrar-me contigo, porque a alvorada chegou e o Sol está a converter-me em cinzas. Cinzas de sangue. De um amor impossível. Brutal. Verdadeiro.


Ilustração: PS/Copilot.

 

Comentários

  1. o título me chamou muita a atenção e fui ler. A ilustração também, muito linda essa morena...

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  2. este conto é magistral, muito bom bolado, chega a ser póetico.

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