PERSEGUIÇÃO AOS JUDEUS NA IDADE MÉDIA - Narrativa Clássica Verídica de Horror - Paul Lacroix
PERSEGUIÇÃO AOS JUDEUS NA IDADE MÉDIA
Paul Lacroix
(Paul L. Jacobs ou Bibliophile Jacob)
(1806 – 1884)
Tradução de Paulo Soriano
Era especialmente na Europa meridional que a animosidade contra os judeus era mais viva. A gente cristã ameaçava constantemente os bairros judeus, que a voz popular denunciava como antros de crime e sentinelas da iniquidade. Acreditava-se que os judeus eram muito mais dóceis às doutrinas do Talmude do que às leis de Moisés. Por mais secreto que fosse o seu ensinamento, algo da moral que pregava a “pilhagem” e o “assassínio dos cristãos” deixava-se transparecer, e é esse vago conhecimento das “odiosas” prescrições do Talmude que explica a facilidade com que as pessoas aceitavam as mais tenebrosas acusações contra os judeus.
Além disso, as mentes, naqueles séculos de enérgica fé, estavam naturalmente imbuídas de uma profunda antipatia pelos judeus “deicidas”. Quando, todos os anos, durante os sermões da Semana Santa, um monge ou um padre subia ao púlpito para contar a seu público comoventes detalhes da Paixão, o ressentimento inflamava-se no coração dos cristãos contra os descendentes dos “juízes” e “carrascos” de Cristo. E quando, à saída da igreja, os fiéis, exaltados pelo sermão tinham ouvido, assistiam ao Mistério da morte do Salvador, representado em imagens ou em ação nos palcos erguidos no cemitério, nos quais os judeus desempenhavam, naturalmente, um papel muito odioso, não havia espectador que não sentisse um ódio redobrado contra o povo réprobo. Além disso, em muitas cidades, mesmo quando a polícia não os obrigava expressamente a fazê-lo, os israelitas achavam prudente fechar-se nos seus bairros, em suas casas, durante toda a Semana Santa; porque, com a disposição dos espíritos nesses dias de luto e de penitência, um falso boato seria suficiente a dar ao povo ocasião de praticar violências inauditas contra os judeus.
Desde os primeiros tempos do cristianismo, aliás, fazia-se certo número de acusações, ora num país, ora noutro, contra os israelitas, e que acabavam sempre por fazer recair sobre as suas cabeças as mesmas desgraças. O boato mais generalizado, e também o mais “fácil” de comprovar, era o que lhes atribuía o assassínio de alguma criança cristã, imolada durante a Semana Santa, por ódio a Cristo; e, lançada, ainda que furtivamente, tal terrível acusação, uma vez apoiada pela opinião pública, esta nunca deixou de lograr progressos. Nestes casos, a fúria popular, nem sempre acomodada à lentidão dos procedimentos legais, atacava os primeiros judeus que tinham a infelicidade de cair nas mãos de seus implacáveis inimigos. Logo que eclodia um motim, o bairro judeu fechava-se; os pais e as mães barricavam-se com os filhos; cada um escondia o que lhe era precioso: escutavam, trêmulos, o clamor da multidão que estava prestes a sitiá-los.
Em 1255, em Lincoln, Inglaterra, espalhou-se subitamente o rumor de que uma criança cristã, chamada Hugh, houvera sido atraída ao bairro judeu e ali flagelada, crucificada e perfurada com lanças na presença de todos os israelitas do reino, que tinham sido convocados e apressados a participar dessa bárbara execução.
O rei e a rainha de Inglaterra, que voltavam de uma viagem à Escócia, chegaram a Lincoln numa altura em que todos os habitantes estavam estranhamente agitados por conta dessa misteriosa aventura. O povo clamava por vingança. Os oficiais de justiça e os oficiais do rei receberam a ordem de conduzir os assassinos à Justiça. Imediatamente, homens armados invadiram o bairro onde os judeus se recolhiam para escapar à animosidade popular.
Apreenderam o rabino, cuja casa fora designada como aquela onde a criança tinha sido martirizada. Condenaram-no a ser amarrado à cauda de um cavalo e arrastado pelas ruas da cidade. Depois, foi enforcado, já cheio de chagas e meio morto.
Muitos judeus fugiram ou se esconderam no reino; os que tiveram o infortúnio de ser descobertos foram acorrentados e levados a Londres. Deram-se, em todas as províncias, ordens de prender os israelitas, convencidos ou apenas suspeitos de terem contribuído, por ação ou por aconselhamento, para o assassinato do menino de Lincoln. Prontamente, dezoito israelitas de Londres sofrem o mesmo destino que o rabino de sua comunidade.
Os monges dominicanos, que quiseram intervir a favor dos infelizes prisioneiros, suscitaram a animosidade geral e foram acusados de se deixarem corromper pelo dinheiro dos judeus.
Setenta e um prisioneiros ainda estavam nas masmorras de Londres, e pareciam inevitavelmente condenados à morte, quando o irmão do rei, Ricardo, conde da Cornualha, os reivindicou, fazendo valer os seus direitos sobre todos os judeus do reino, com os quais o rei havia pactuado um empréstimo de 5.000 marcos.
Os infelizes foram salvos, graças ao interesse do príncipe inglês em manter a sua garantia. A história se esqueceu de dizer-nos o que lhes custou a reconquista da liberdade; porque, sem dúvida, em tal ocasião, como em muitas outras, os judeus tiveram de provar a sua gratidão com dinheiro vivo.
Não há praticamente nenhuma região da Europa em que se não possa contar uma história semelhante. Em 1171, foi em Orleans e Blois que o assassinato de uma criança cristã levou à tortura de vários judeus. Tal horrível acusação, constantemente repetida na Idade Média, é muito antiga, pois já se havia verificado no tempo de Honório e de Teodósio, o Jovem; da mesma forma, perpetuou-se por vários séculos; vemo-la repetida ainda, com a mesma fúria, em 1475, em Trento, que suscitou uma turba implacável contra os judeus, acusados de terem martirizado uma criança cristã de vinte e nove meses, chamada Simão. Os relatos e as representações figurativas do martírio desta criança, multiplicados e difundidos em profusão pelas xilogravuras e pela imprensa nascente, aumentaram ainda mais, especialmente na Alemanha, o horror que aos cristãos inspirava a “nação maldita”.
Os judeus foram, ainda, a fonte de outras acusações que alimentaram este ódio, como a profanação de hóstias consagradas, a mutilação de crucifixos etc. Já mencionamos o milagre que se diz ter ocorrido em Paris, em 1290, na rua dos Jardins, quando um judeu decidiu triturar e ferver uma hóstia; um milagre em memória do qual foi erigida uma capela, mais tarde substituída pela igreja e convento de Les Billettes.
Em 1370, o povo de Bruxelas, por sua vez, comoveu-se pelo relato de uma judia que acusava os seus correligionários de terem querido que ela levasse, aos judeus de Colônia, um cibório cheio de hóstias furtadas a uma igreja e destinadas aos mais horríveis sacrilégios. Tal mulher acrescentou que os judeus haviam esmigalhado as hóstias com paus e facas, e que tais hóstias haviam derramado tanto sangue que o terror se apoderou dos culpados, que se esconderam na vizinhança. Todos esses judeus foram presos, torturados e queimados vivos. Para perpetuar a memória do milagre das hóstias sangrentas, foi instituída uma procissão anual: a grande quermesse não teria outra origem.
Não havia súbito infortúnio ou grande catástrofe na cristandade que não fosse imediatamente atribuída aos judeus. Quando os cruzados foram derrotados na Ásia, formaram-se bandos de fanáticos que, sob o nome de Pastoureaux, percorriam os campos, matando e pilhando judeus e, por vezes, também cristãos. As doenças e as epidemias grassavam e os judeus eram acusados de terem envenenado a água dos poços e das fontes, e o povo os massacrava. Milhares de pessoas assim morreram quando a Peste Negra devastou a Europa no século XIV. Os soberanos, sempre lentos a suprimir estas desordens sanguinárias, nunca pensaram em compensar as famílias judias que tinham sofrido injustamente.
Fonte: “Moeurs, Usages et Costume au Moyen Age”, Librarie de Firmin Didot, Paris, 1871.
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