SUPLÍCIO DE MARY STUART - Narrativa Clássica de Horror - Autor anônimo de do séc. XIX
SUPLÍCIO DE MARY STUART
Autor anônimo de do séc. XIX
Tradução de Ferreira da Costa
(1788 – 1859)
Eram 9 horas da noite de 8 de fevereiro de 1587.
A rainha apareceu na sala fúnebre, onde estavam reunidas mais de duzentas pessoas, trajando rigoroso luto. O seu semblante, sereno e tranquilo, indicava que a sua alma estava resignada a sofrer o martírio, completamente convencida da sua inocência, e disposta a apresentar-se pura e livre de toda a culpa na presença do soberano juiz.
O cadafalso, o banco em que devia se sentar e o cepo fatal — tudo estava forrado de veludo preto.
A rainha era precedida pelo xerife, condes e nobres de Inglaterra, e acompanhavam-na duas das suas damas e quatro camaristas, todos visivelmente comovidos.
Levantou o véu durante alguns minutos e no seu belo rosto brilhava uma esperança transitória, que realçou ainda mais sua natural beleza.
Trazia na mão direita um rosário e, na esquerda, um crucifixo; toda a sua atitude demonstrava o religioso entusiasmo de que as almas cristãs se acham possuídas nos mais solenes momentos da adversidade.
Chegando junto do cadafalso, sentou-se; e, depois de ouvir a sentença, exclamou:
— Milordes, nasci rainha da Escócia, fui rainha de França e tinha direito a ser rainha de Inglaterra. Não obstante os meus títulos, e contrário a todas as leis, estive presa muitos anos, e muito padeci durante o meu cativeiro, sem acusar ninguém dos sofrimentos que experimentei; esqueço tudo, e a ninguém desejo mal pelo que sofri. Consulte cada qual o seu procedimento, e seja a sua consciência o seu juiz. Agradeço a Deus as penas que me foram impostas pela sua justiça. Considero-me feliz por me ter concedido a mercê de poder morrer, expiando as minhas culpas, e por poder declarar, alta e orgulhosamente, perante esta assembleia, que nunca conspirei contra a rainha da Inglaterra.
A assembleia, sem se comover, guardou o mais profundo e glacial silêncio.
Naqueles corações, completamente gelados, não podia penetrar o sentimento da piedade.
Mary Stuart pôs-se de joelhos e orou; quando se ergueu, um dos verdugos quis arrancar-lhe o véu, porém ela o repeliu com um gesto nobre e significativo, e, voltando-se com o rubor nas faces para os condes e nobres de Inglaterra, disse-lhes com firmeza:
— Não estou acostumada, milordes, a despir-me diante de tanta gente e com semelhantes criados.
Aproximaram-se, então, duas damas, que lhe tiraram o manto, o véu, as cadeias, a cruz e o escapulário.
Quando lhe iam tirar o vestido, disse-lhes a rainha que bastava que lhe descobrissem o pescoço, para que o machado não encontrasse resistência; o que as damas fizeram, trêmulas e com os olhos inundados de abundantes lágrimas.
— Meus amigos — disse Mary Stuart —, não desanimeis; agradecei, pelo contrario, a Deus, o ter-me inspirado coragem e resignação.
Subjugados pelo acentuado de sua voz, e por tanta nobreza d'alma, os próprios verdugos pediram à rainha que lhes perdoasse.
—Perdoo-vos — respondeu ela, imitando o exemplo do Redentor.
Depois de lhe terem vendado os olhos, a desventurada rainha aplicou o pescoço contra o cepo, recitando ao mesmo tempo os versículos do salmo VII:
—Senhor, restituir-me-eis a vida, e chamar-me-eis do fundo do abismo.
Acabando de pronunciar a última palavra, deram-lhe o primeiro golpe; mas o instrumento do suplício, em vez de cair exatamente no pescoço, caiu um pouco mais abaixo e não produziu morte instantânea.
A rainha expeliu um grito, que vibrou no íntimo do coração de todos que assistiam àquele ato bárbaro e cruel.
O carrasco, envergonhado da sua pouca destreza, descarregou segundo golpe: a cabeça da vítima veio rolar aos pés do executor da alta justiça!
Então, o carrasco, agarrando pelos cabelos essa bela e ensanguentada cabeça, mostrou-a aos nobres da assembleia e ao povo, gritando:
—Viva a rainha Elizabeth!
— Assim morram todos os inimigos da nossa rainha! — bradou, com frenesi, o deão de Petersburgo.
— Viva a religião! — gritaram os escribas e fariseus da Reforma, agitando as mãos, para que os jesuítas pudessem dizer:
“O povo aplaudiu com entusiasmo a morte de Mary Stuart”.
A assembleia sorriu hediondamente, vendo correr o sangue da inocente vítima, do mesmo modo que o chacal experimenta alegria, quando despedaça entre suas garras o cadáver do caçador.
Deus tenha recebido em seu seio a inocente alma de Mary Stuart.
Fonte: Universo Ilustrado/PT, maio de 1877.
Fizeram-se breves adaptações textuais.
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