VISITA AO CASTELO DE BRAN - Conto de Terror - Ricardo R. Gallio
VISITA AO CASTELO DE BRAN
Ricardo R. Gallio
— O príncipe Vlad Tepes utilizou em várias ocasiões este castelo com fins militares durante o seu reinado, no século XV. Após a derrota para seu irmão Radu em uma guerra civil, sua esposa jogou-se de uma das torres, para evitar a humilhação de ser capturada. Acredita-se, embora não haja comprovação, que Vlad tenha passado dias fechado aqui nas masmorras, em luto por sua esposa. Há quem diga que ele está lá até hoje.
O pequeno grupo de turistas riu do gracejo da guia turística, enquanto percorriam os corredores do castelo. Jonatan, por educação, tentou disfarçar o bocejo, afinal não estava entusiasmado com as informações fornecidas pela guia, pois pareciam saídos de um artigo da Wikipédia.
Quando visitava castelos no interior da Europa ou antigos templos sagrados do sudeste asiático, seu objetivo sempre era descobrir as histórias peculiares guardadas nesses lugares e que só os locais poderiam contar.
Não era o caso desta vez. Quando teve o primeiro vislumbre do castelo de Bran, sua curiosidade foi instigada. Alguns minutos depois de sair de Brasov, pequena cidade da Romênia, seguindo pela rota 73, ele avistou de longe, entre as árvores, os telhados avermelhados em contraste com o céu nublado. As belezas naturais, as florestas, os rios sinuosos e as altas montanhas da região eram encantadoras para Jonatan. Mas no fim, o clima soturno de outono, época escolhida de propósito para fazer o passeio, era de fato o atrativo principal. Precisava daquela atmosfera para se transportar para o passado e viver a experiência ao máximo. Há anos pesquisava para um livro sobre lugares malditos, planejado por ele. Ao ver aos poucos as torres do castelo se delineando, teve certeza, o lugar renderia boas histórias por si só.
De perto, constatou como a construção não era tão grande ou imponente. Mas suas paredes pareciam brotar das rochas, como se tivessem crescido por conta própria e suas janelas minúsculas lhe conferiam um ar sinistro e uma profunda aura de mistério. No interior, o piso de madeira escura se chocava com as paredes brancas, gerando uma estética chiaroscuro, deixando o ambiente mais tenebroso à medida que o sol se aproximava do horizonte. Com a atmosfera cinzenta, a hora dourada não se fazia presente e a penumbra se espalhava rápido pelos salões.
Ao seguir o passeio, o pequeno grupo do qual ele fazia parte passou por uma ala bloqueada para os turistas. Finalmente, Jonatan sentiu algo mais para lhe inspirar, além da aparência sinistra do castelo.
— Por que essa ala está inacessível? Está em reforma?
A guia hesitou por um instante, como se estivesse elaborando uma resposta.
— Essa porta leva para o hipogeu. É um lugar um tanto insalubre e sem atrativos para os turistas…só isso.
A fala gaguejante da mulher não pareceu o convencer.
— Agora vamos seguir nosso passeio, ainda temos muito para ver antes do pôr do sol. Vocês irão se surpreender.
O grupo se afastou, e ninguém percebeu Jonatan ficando para trás, observando a porta com o aviso de entrada proibida em romeno e inglês. Seu olhar curioso parecia estar preso à porta de madeira negra. De repente, como se passasse por suas frestas, um sussurro vibrou de leve. Ele chegou mais perto da passagem e ouviu de novo. Era apenas um silvo baixo, porém envolvente. Como se fossem palavras agradáveis, apesar de não entender ou sequer saber, se eram de fato palavras. De súbito, teve vontade de atravessar a porta. E não pensou duas vezes antes de transgredir o aviso.
***
O subsolo tinha uma parca iluminação, proporcionada por algumas velas em candelabros esparsos. Jonatan ponderou como era inútil terem deixado velas queimando em um ambiente vazio. Mal se via o piso de pedra lisa e as paredes úmidas. Ele se movia devagar, tomando cuidado para não tropeçar e fazer barulho, denunciando sua presença invasiva. Não ligou a lanterna do celular, pois poderia haver um vigia lá embaixo e não desejava alertá-lo antes de vasculhar um pouco o lugar misterioso.
Chegou ao fim dos degraus. Não era possível identificar nada à sua volta, devido ao breu profundo. Mas de alguma forma ele sentia algo mais ali, além do ar gelado, teias de aranha, mofo e o intermitente gotejar do teto. Avançando no corredor avistou algo na parede. Em um instante sentiu um frio irradiando da base da sua espinha. Em seguida, se recuperou do sobressalto. Ainda não era possível ter certeza do que via. Aproximou-se um pouco mais e então parou, assustado. Observou aquilo de frente, e apesar da penumbra, foi o suficiente para se intrigar com o que viu. O nicho exibia em seu centro algo horripilante e odioso.
Era uma espécie de retrato representando algo fantástico e grotesco. Uma figura de olhos profundos e ameaçadores, com as pupilas negras e dilatadas como de um predador em caça, e a esclera brilhava, rubra, em um tom anormal, como se estivesse injetado de sangue. Seus cabelos longos e negros confundiam-se com o fundo escuro, mas era possível distinguir algumas mechas de um cinza quase branco, lhe transmitindo um ar ancestral. A face era quase esquelética e, para lhe aumentar a repugnância, sua pele era de um amarelo pálido, tal qual a tez de um morto. De sua boca, com lábios finos, se projetavam duas presas pontiagudas, como de uma fera selvagem.
Jonatan estava magnetizado pela obra e não conseguia se mover, enquanto apreciava cada detalhe ultrarrealista daquela imagem inquietante. Pensava em quem havia mantido um retrato ali, naquela catacumba fria e escura e por qual motivo. O local era proibido para visitantes, não havia razão para manter itens de arte ali, sendo que havia muito espaço nas paredes acima para receber aquela pintura obscena. Talvez sua aparência ferisse a sensibilidade de alguns, mas, com certeza, era algo digno de ser visto, mesmo lhe gerando uma sensação desagradável, quanto mais a analisava.
Se deu conta de que estava sozinho e poderia ligar a lanterna para observar melhor aquele pesadelo em forma material. Percebeu com espanto não se tratar de uma pintura. Com certeza, era uma escultura bastante realista. Quem teria sido o artista capaz de tamanha façanha? Quem seria o sórdido escultor, com tanta habilidade em retratar o macabro e o insólito? E de onde havia tirado inspiração para um rosto tão medonho?
Notou um sutil movimento na escultura. Mas a escuridão ainda era densa, mesmo com o facho branco de luz emitido pelo celular. Devia ser apenas uma impressão causada pelo reflexo bruxuleante do fogo tênue das velas. Ele se aproximou. A verdade lhe invadiu a mente como um relâmpago, instantaneamente seu sangue congelou nas veias e um arrepio lhe sacudiu o corpo. Aquilo não era apenas uma representação. Era uma criatura, de fato.
Em uma fração de segundo a criatura cresceu à sua frente. Jonatan nem se moveu quando uma mão gelada lhe tocou o ombro. Dedos magros, com unhas pontudas e afiadas, lhe roçaram a pele do rosto, quando puxaram sua cabeça para o lado. Não houve protesto, pedido de socorro ou defesa. Estava em uma espécie de transe sinistro.
As presas projetadas daquela boca horrenda e fétida perfuraram sua jugular, enquanto um jato rubro e espesso jorrou em profusão. Sua roupa ficou empapada de sangue em um instante, mesmo tendo a maior parte sugada avidamente pela criatura. Ele não teve sequer tempo de racionalizar sobre o terrível ocorrido. Involuntariamente, um último pensamento lhe passou pela cabeça.
Estaria defronte ao lendário monarca Vlad Tepes, ainda enlutado nas catacumbas do castelo, séculos depois?
Nunca obteria resposta, pois um profundo véu escarlate cobriu seus olhos e em seguida tudo escureceu.
Obrigado pela oportunidade de levar meu conto para mais pessoas apaixonadas pela leitura e o horror. Vida longa ao blog.
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