AS TRÊS FOLHAS DA SERPENTE - Conto Clássico de Horror - Irmãos Grimm

AS TRÊS FOLHAS DA SERPENTE

Irmãos Grimm

(Jacob Grimm [1785 – 1863] e Wilhelm Grimm [1786 – 1859])




Era uma vez um pobre homem que já não conseguia sustentar seu único filho.

Então, disse o jovem a seu pai:

Querido pai, estás tão miserável! Para ti, eu sou um fardo! Prefiro, pois, ir-me embora e arranjar o pão de cada dia.

O pai deu-lhe a bênção e despediu-se do filho com grande tristeza.

Naquele tempo, o monarca de um poderoso reino estava em guerra. O jovem ingressou em suas fileiras e o acompanhou no combate. Chegados diante do inimigo, travou-se uma batalha. Instaurou-se um grande perigo; as balas choviam, de modo que seus camaradas caíram por todos os lados. E quando tombou o comandante, os soldados quiseram debandar, mas o jovem, à frente de todos, encorajou-os e gritou:

Avante! Não deixemos perecer a nossa pátria!

E assim, seguido por seus companheiros, o jovem arrojou-se contra o inimigo e o derrotou. O rei, sabendo que a ele deveria creditar a vitória, exaltou-o acima dos demais, deu-lhe grandes tesouros e fez dele o primeiro-ministro de seu reino.

O rei tinha uma belíssima filha, conquanto muito estranha. Ela jurara que somente aceitaria por senhor e marido aquele que prometesse sepultar-se vivo com ela, acaso ela morresse primeiro.

Se ele me ama de todo o coração — disse ela —, de que lhe serviria a vida, se eu estivesse morta?

A seu turno, ela prometia idêntica conduta: se o seu consorte morresse primeiro, ela desceria com ele ao sepulcro. Este estranho juramento tinha, até então, dissuadido todos os pretendentes, mas o jovem ficou tão impressionado com a sua beleza que não deu importância àquela exigência. Assim, pediu-a ao rei em casamento.

Tu sabes — disse o rei — a que se submete a tua promessa?

Devo ir para o túmulo com ela — respondeu ele — se sobreviver-lhe. O meu amor, porém, é tão grande que não me importa tal perigo.

O rei, então, manifestou o seu consentimento e o casamento foi celebrado com grande esplendor.

Por um bom tempo, viveram eles alegres e felizes; todavia, a jovem rainha adoeceu gravemente e nenhum médico pôde ajudá-la. E, ao contemplar a falecida esposa, lembrou-se o jovem rei da promessa que fizera. Aterrorizava-o a ideia de descer, vivo ainda, à sepultura. Todavia, não havia como escapar: o velho rei mandara vigiar todos os portões e não havia como fugir ao próprio destino. Chegado o dia em que o corpo seria encerrado na cripta real, teve ele de acompanhá-lo; então, estando ele no interior da cripta, o portão foi fechado e aferrolhado.

Ao lado do caixão havia uma mesa com quatro velas acesas, quatro pães e quatro garrafas de vinho. Quando o suprimento acabasse, o jovem rei morreria de fome. E ele permanecia ali sentado, transbordando de dor e tristeza, comendo, todos os dias, somente um pedaço de pão e bebendo apenas um gole de vinho. E via a própria morte cada vez mais próxima.

Assim permanecia quando, olhando à sua frente, viu uma serpente que, saindo de um canto da cripta, rastejava em direção ao cadáver. E, julgando que a cobra fosse picar o cadáver, desembainhou a espada e disse:

Ninguém lhe tocará enquanto eu viver!

E cortou a serpente em três pedaços.

Passado um tempo, uma segunda cobra, que, vinda de um canto da cripta, aproximou-se; contudo, quando viu a outra serpente em pedaços, retornou ao nicho de onde viera; todavia, de lá retornou com três folhas verdes na boca. Pegou, então, os três pedaços da companheira morta, juntou-os e enrolou uma das folhas em cada uma das feridas. Imediatamente, as partes segregadas uniram-se e a cobra, agitando-se, voltou à vida. Depois, as serpentes fugiram juntas.

As folhas permaneciam no chão, e o infeliz, que vira aquele prodígio, perguntou-se se o maravilhoso poder das folhas, que havia trazido a cobra de volta à vida, também se aplicaria a um ente humano.

Então, recolheu as folhas e colocou uma delas sobre a boca da falecida e as outras duas sobre os seus olhos.

Mal acabara de colocá-las, o sangue correu nas veias da mulher e subiu-lhe até o rosto lívido, que adquiriu o tom carmim. Ela, então, respirou profundamente, abriu os olhos e disse:

Oh, Deus, onde estou!?

Estás comigo, querida esposa! — ele respondeu, e lhe contou como tudo havia acontecido e como ele a trouxera de volta à vida.

Em seguida, ele lhe deu um pouco de vinho e pão. Tendo a dama recuperado as forças e se erguido, foram ambos à porta da cripta. Bateram e gritaram tão ruidosamente que os guardas ouviram aquelas rogos e correram ao velho rei, relatando o ocorrido. Este, em pessoa, desceu e abriu a porta, encontrando os cônjuges vistosos e saudáveis. Apesar de todas as dificuldades, estavam ambos vivos e aquilo era motivo de grande felicidade.

O jovem rei trouxe consigo as três folhas da serpente, deu-as a um pajem e disse:

Guarda-as cuidadosamente e leva-as sempre contigo. Quem sabe em que situações elas podem socorrer-nos?

Todavia, uma mudança operou-se na mulher depois que voltou à vida: foi como se todo o amor que sentia pelo marido se houvesse evolado de seu coração.

Depois de um certo tempo, quis o marido fazer uma viagem marítima para visitar o seu velho pai. Tão logo embarcaram, esqueceu-se ela do grande amor e lealdade que ele lhe havia demonstrado — e mesmo a ponto de resgatá-la da morte —, e maliciosamente cobriu-se de amores pelo capitão do navio.

Certa feita, estando dormindo jovem rei, a jovem rainha chamou o capitão, que agarrou o adormecido pelos pés, enquanto ela o tomava pela cabeça, e, juntos, lançaram-no ao mar.

Perpetrado o ato criminoso, disse ela ao comparsa:

Voltemos agora para casa. Diremos a todos que ele morreu no curso da viagem. Perante o meu pai, eu o exaltarei e o cobrirei de elogios. Ele, então, fará com que nos casemos e tu te tornarás o herdeiro de sua coroa.

Mas o pajem fiel, que tinha visto tudo, ocultamente desceu consigo um bote. Tomou o mar, vagando à procura do seu senhor, enquanto os traidores seguiram o seu rumo. Depois, tendo encontrado e recolhido o amo, colocou as folhas da serpente, que trazia consigo, sobre os olhos e boca do cadáver, trazendo-o, pois, de volta à vida.

O jovem rei e seu pajem remaram a toda a força dia e noite. O bote seguiu tão velozmente que logo chegou à presença do velho rei.

Surpreso ao vê-los no solitário retorno, o velho rei perguntou-lhes o que se passara. Ao saber da crueldade da filha, disse:

Não posso acreditar que ela tenha agido tão cruelmente; a verdade, porém, será revelada.

Ordenou, então, que os dois fossem para uma câmara secreta e se mantivessem ocultos de todos.

Pouco tempo depois, chegou o navio. A pérfida mulher apareceu diante de seu pai com um semblante triste.

Por que voltas sozinha? — perguntou-lhe o velho rei. — Onde está o teu marido?

Ah, querido pai — respondeu ela —, volto para casa com grande tristeza, pois o meu marido adoeceu repentinamente e morreu durante a viagem. E o que seria de mim, se o bom capitão não me tivesse ajudado? Ele presenciou a morte do jovem rei e pode contar-lhe tudo.

Eu trarei o homem morto de volta à vida — respondeu o velho rei.

Abriu a câmara secreta e ordenou que ambos saíssem.

Ao ver o marido, a mulher recebeu um choque profundo. Depois, caiu de joelhos e implorou por misericórdia.

O rei, contudo, disse-lhe:

Para ti, não há misericórdia! Ele estava pronto para morrer contigo, mas lhe devolveu a vida. Tu, contudo, o mataste enquanto ele dormia. Terás, pois, a recompensa que mereces.

Levaram-na, juntamente com o seu cúmplice, a um navio com casco avariado, que lançaram ao mar. E não tardou a que o navio com eles soçobrasse em meio às ondas.


Versão em português de Paulo Soriano.

 

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