O FANTASMA DE EL CID - Conto Clássico Sobrenatural - Víctor Balaguer i Cirera
O FANTASMA DE EL CID
Víctor Balaguer i Cirera
(1824 – 1901)
Tradução de Paulo Soriano
Todos os anos, no dia de Finados — que é, ao que parece, o dia em que se confere folga aos mortos —, um cavaleiro, vestido de cota de malha, de capacete à cabeça e um escudo na mão, montado em seu cavalo de armaduras, vai subindo, solapado pelas sombras, a encosta que conduz à chapada.
Lá chegando, o misterioso cavaleiro segue até a colina e, à guisa de vigia, passeia a sua vista pelas cercanias de Burgos, abraçando e acariciando com o olhar toda a vasta extensão de terra adormecida que de lá se avista, como se pretendesse desvelá-la com o raio de seus olhos. Em seguida, virando o cavalo e aplicando-lhe a espora, lança-se numa corrida desesperada por toda a extensão do altiplano, que percorre ora a trote, ora a correr — como se estivesse numa arena de paliçada, própria a exercícios de torneios militares —, até chegar o momento em que, já fatigados cavaleiro e cavalgadura, retorna à colina, detêm-se por uns instantes e arroja o derradeiro olhar na direção de Burgos; depois, pausadamente — indolente ou tardio —, desfaz o seu caminho e desce a costa. Numa daquelas curvas, corcel e cavaleiro desaparecem repentinamente, como se tragados pela terra.
Isto acontece todos os anos na noite de Finados. Sempre o mesmo paladino com o mesmo cavalo, o mesmo passo, a mesma parada diante de Burgos — que assoma à distância —, a mesma desenfreada carreira pela planície relvada do cume e o mesmo repentino desaparecimento.
— Mas… quem viu isto? — perguntei ao narrador de histórias, que candidamente me relatava o acontecimento.
— Eu — respondeu-me ele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Mirei-o com assombro. De pronto, percebeu a minha reação e, como se quisesse me dar a chave do mistério por meio de uma razão conclusiva e de um argumento irrefutável, apressou-se em acrescer:
—Aquele cavaleiro é El Cid1. Todos os anos, quando chega a noite de Finados, ele evade-se de seu sepulcro, monta o seu cavalo e sobe àquele cume para vislumbrar o seu Vivar, o seu Burgos, as suas terras de Castela e, depois de vê-los, e estar convencido de que sua Castela vive e é preservada, retorna silenciosamente ao seu túmulo.
O bom homem deve ter notado em mim sinais de descrença; e, antes que eu pudesse retomar a palavra, ele prosseguiu:
— Eu o vi. E digo que o vi com estes olhos que a terra há de comer!… Há muitos anos, antes de 35, estando ainda os monges em seu claustro, sendo eu muito jovem, contaram-me sobre o fenômeno. Quando chegou o dia de Finados, à noite, que decerto era muito negra e tempestuosa, saí para vê-lo; agachei-me sob os arbustos, perto do morro de Grillos e, entre uma e duas da matina, pouco mais ou menos, vi o cavaleiro e o cavalo passando à distância, como uma sombra, subindo a encosta. Tinha ele uma lança na mão. Eu o vi. Um tremor apoderou-se de todo o meu corpo, meus dentes entrechocaram-se como castanholas de cigana, e fugi o mais rápido que pude, rastejando de quatro, sem sequer voltar a cabeça.
—Mas te ocorreu voltar no ano seguinte, não é mesmo? — perguntei-lhe.
— Não, jamais. Deus me livre. Confessei-me ao padre Cristóbal, que era um santo homem, e ele me disse que, como Deus me permitira vê-lo uma vez, nunca me ocorreria jamais intentar vê-lo novamente, porque poderia ficar repentinamente cego.
Não me mexi.
— Mas, homem de Deus — disse-lhe —, quem te pode assegurar, em meio a teu terror, que aquela sombra que viste, aquele cavaleiro com uma lança, não era um viajante, um madrugador ou um atardado, que percorria o seu caminho, ou, talvez, um colono que, com o cajado em riste, se dirigia ao curral? Não acredites em bruxas. Não creias nisso.
— É que quero acreditar — respondeu-me ele, levantando-se como se fosse um herói de uma tragédia. —Creio firmemente — que Deus me salve! — que é o Cid que vem todos os anos ver a sua Castela; assim como acredito que, se esta se perdesse um dia, o Cid voltaria para libertá-la.
Pareceu-me desumano contradizer o bom velhinho e baixei afirmativamente a cabeça, como se me arrependesse de ter tido um momento de dúvida.
O patriotismo deve ser admirado onde quer que brote e na forma que se apresente. E nada mais.
Este é o conto. Ah! Se não fosse espanhol, se fosse do Norte — numa palavra, se fosse de Ibsen —, que lições de patriotismo, de coisas maravilhosas e impressionante simbolismos se encontrariam nele!
Nota:
1El Cid (Rodrigo Díaz de Vivar) (1043 – 1099) foi um nobre guerreiro castelhano que lutou contra os mouros na Península Ibérica.
amigo Barão a minha página vai completar 11 anos no final do ano, vou ver se lanço um edital para concurso literário no final do ano pra comemorar esses anos todo no ar, 24 horas online. rss rss rss
ResponderExcluirBeleza, Sir! Vá em frente!
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