O MORTO-VIVO DA ESTALAGEM - Narrativa Clássica de Terror - Alonso de Fuentes

O MORTO-VIVO DA ESTALAGEM

Alonso de Fuentes

(1515 – 1550)

Tradução de Paulo Soriano



Conta-se de um certo Tomé de Uceda algo parecido ao que se sucedeu ao o primeiro dos Osorios.

Seguindo o seu caminho, chegou muito tarde, à noite, a uma pousada e, chamando, não obteve resposta.

Tomou uma lâmpada, que no meio da casa estava, e procurou cevada e palha, dando-as ao seu cavalo; tirou do alforje uma perdiz, pão e odre.

Pôs-se a assar a perdiz e entrou em um cômodo, a ver se acharia alguma toalha de mesa e tudo o mais, e encontrou um homem morto em uma cama.

Teve por certo que seria o estalajadeiro e que os seus parentes teriam ido chamar algum clérigo para sepultá-lo.

E como a sua perdiz já estivesse assada, pareceu-lhe que seria bom cear com algum companheiro, mesmo que este estivesse morto, e assim o fez.

Enquanto preparava a perdiz, o morto levantou a cabeça e disse-lhe:

Dá-me esta perdiz.

Tomé de Uceda, malgrado abalado por ouvir falar um homem defunto, ao fim lhe deu uma perna.

Pouco depois, o defunto pediu-lhe mais.

Tomé deu-lhe outra posta.

Outra vez, o morto pediu-lhe outro bocado e Tomé lhe respondeu:

Já não há mais.

Levanta-se o morto e começam a lutar ambos; Tomé de Uceda procurou lançar o defunto porta afora e fechá-la. Assim o fez, trancando-a atrás de si e fechou a aldrava. O morto esforçou-se por derrocar a porta, mas não pôde. E, arranhando com as unhas, fez um buraco por meio do qual pudesse perpassar meio corpo; foi quando, fazendo o finado tal esforço, cantou o galo, e o defunto não mais se mexeu.

Estando assim descansando Tomé de Uceda, chega a mulher, um filho e um clérigo — com uma cruz e água benta —, e, como viram fechada a porta e aquele corpo ali estendido, gritaram.

Tomé de Uceda ergueu-se bem cansado e fatigado com o que lhe ocorrera, abriu-lhes a porta e contou tudo o que havia passado, dando graças a Deus de haver-lhes livrado do demônio que havia dominado aquele corpo.


Ilustração: Andrea Mantegna (1431 – 1506).



 

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