A SERPENTE DA ILHA - Conto Clássico de Terror - Pu Songling
A SERPENTE DA ILHA
Pu Songling
(1640 – 1715)
Na ilha de Ku-chi, no mar oriental, havia camélias de todas as cores que floresciam durante todo o ano. Ninguém, contudo, vivia ali e muito poucas pessoas visitavam o local.
Um dia, um jovem de Têng-chou, chamado Chang, que gostava de caça e de aventuras, ao ouvir falar das belezas do lugar, juntou um pouco de vinho e comida e rumou à ilha num pequeno barco a remos.
Nessa época, as flores estavam ainda mais belas do que o habitual e a sua fragrância espalhava-se por cerca de uma milha ao redor, enquanto muitas das árvores que viu tinham várias braçadas de circunferência. E ele por lá vagou, entregando-se ao prazer do cenário. De vez em quando, abria a garrafa de vinho, lamentando muito não ter uma companheira para partilhá-lo.
De repente, uma jovem muito bonita, de olhos extremamente brilhantes e vestida de vermelho, surgiu de uma das camélias diante dele.
— Meu Deus! — disse ela ao ver o Sr. Chang. — Eu esperava estar aqui sozinha e não sabia que já havia gente no lugar.
Chang ficou um tanto alarmado com esta aparição e perguntou à jovem de onde ela vinha, ao que ela respondeu que se chamava Chiao-ch'ang e que fazia companhia ao Sr. Hai, que havia saído para um passeio e a tinha deixado à espera de seu regresso.
Chang, então, pediu-lhe que se lhe achegasse para tomar um copo de vinho, o que ela fez de bom grado. Eles começavam a divertir-se quando ouviram o uivo de um vento forte; a vegetação e as árvores curvaram-se ao seu ímpeto.
— O Sr. Hai está aqui! — gritou a jovem.
E, dando um salto, desapareceu num instante.
Horrorizado, Chang via agora uma enorme serpente saindo dos arbustos próximos. Imediatamente correu para trás de uma grande árvore, procurando refúgio e esperando que o réptil não o visse.
Mas a víbora avançou e envolveu tanto Chang quanto a árvore em suas grandes volutas, prendendo firmemente os braços de Chang para provocar-lhe a imobilidade. Depois, erguendo a cabeça, lançou fora a língua e mordeu o nariz do pobre homem, fazendo com que o sangue fluísse livremente.
Sentindo calmamente esvair-se, assim sugado, o próprio sangue, Chang, já pensando que a sua hora havia chegado, lembrou-se de que tinha no bolso um pouco de veneno de raposa; e, ali conseguindo introduzir um par de dedos, tirou o pacote, rasgou o papel e deixou o pó na palma da mão.
Em seguida, inclinou a mão sobre as espirais da cobra, de tal forma que o sangue do nariz escorreu à sua mão, e, quando ela estava quase cheia, a serpente realmente começou a bebê-lo.
Em poucos instantes o aperto relaxou. A serpente bateu pesadamente no chão com sua cauda, e atirou-se contra outra árvore, que se partiu ao meio; em seguida, estendeu-se e morreu.
Chang ficou um longo tempo sem conseguir se levantar, mas finalmente se ergueu e levou a cobra consigo.
Depois disso, esteve muito doente durante mais de um mês; e mesmo suspeitou que fosse a jovem, também, uma víbora disfarçada.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Hebert Giles (1845 – 1935).
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