AMARGA TRAVESSIA - Narrativa Clássica de Terror - Antonio de Torquemada
AMARGA TRAVESSIA
Antonio de Torquemada
(1507? – 1569)
Tradução de Paulo Soriano
Um monge chamado Tomás (de quem Alexandre de Alexandre1 tinha muito conhecimento e sabia que era muito bem quisto em sua vida, e morava num mosteiro perto da cidade de Luca, entre as florestas), havendo um dia tido algumas pendências e questões com outros monges, deixou o mosteiro muito cheio de cólera e aborrecimento, com a determinação de ir morar em outro lugar.
E indo, assim, entre as matas espessas, deu de cara com um homem enorme, muito moreno, de longa barba negra e de olhos turvos, cujas vestiduras quase tocavam o chão.
O monge perguntou-lhe aonde ia, pois seguia num caminho indefinido. O homem respondeu que o cavalo, que ele trazia, se soltara e fugira para alguns campos, que ficavam do outro lado da floresta.
E com isso, continuaram conversando até que se depararam com um rio que traspassava um vale aberto na mesma mata. Como era muito profundo, cuidaram de procurar um vau. E, parecendo-lhes que em certa parte poderiam passar, o monge quis descalçar-se, mas o homem não permitiu de forma alguma, dizendo que era maior de corpo e que, seguramente, o conduziria sobre ombro. E tanto insistiu que o monge não pôde escusar-se do convite.
E assim, posto o monge sobre as espáduas, já intentava o homem adentrar no rio, quando o monge lhe viu os pés, para o qual ainda não havia olhado, e apercebeu-se que eram muito diferentes dos de qualquer outro homem. Com isso, tendo alguma desconfiança, quis soltar-se, mas não conseguiu, pois o homem começou a entrar na água, tomando a direção em que ela era mais profunda e avolumada.
Vendo isso, o monge começou a confiar-se a Deus e a invocar o nome de Jesus Cristo para livrá-lo do perigo. E, naquele instante, aquele homem, que era o Diabo, o soltou na margem do rio, desaparecendo com um estrondo tão grande que as areias do rio se agitaram e as próximas azinheiras foram soltas e arrancadas.
O monge desfaleceu e, quando voltou a si, voltou ao seu mosteiro, louvando a Deus, que de tão grande perigo o havia livrado.
Ilustrações: PS/Copilot.
1Alexandre de Alexandre (1461 – 1523), escritor e jurista napolitano.
Comentários
Postar um comentário